Respirando o ar quente, suado, extenuado, sacola pendurada nos dedos, com a outra mão procurava livrar-se da poeira que lhe entrava na roupa, nos olhos, nos poros. E o estirão se alongando. Viu o casebre com pequeno alpendre, arriado, cochilante. Aproximou-se, bateu na porta e arriou-se no banco tosco, no alpendre. Sacola ao lado, abanou-se, desabotoou-se, estirou as pernas, quase cochila. Ali ficou, entregue.
Suspirou fundo, levantou-se, olhou demoradamente o estirão em todas as direções. Só vento, poeira e a árvore desgalhada ao lado do casebre. Bateu forte na porta e ela se abriu. O pote, não muito distante, caneca ao lado. Bebeu a água salobra até se fartar. Olhou em volta. Alguns tamboretes. Nenhum armário, louça ou mesa. Uma rede entrouxada, pendente do armador.
Balançou a cabeça:
– De quem será isto?
Olhou longamente, através da janela, o estirão e a poeira fina navegando no silvar do vento. Fugindo de tudo e com saudades dela armou a rede puída. Deitou-se, suspirou fundo:
– Depois da desgraça feita qualquer lugar serve.
Levantou-se e jogou sobre um dos tamboretes os sapatos de solas gastas, o resto de meias, e, quase despido, estirou-se melhor e coçou o corpo todo.
Adormeceu.
Acordou com os solavancos no punho da rede. Abriu os olhos, estremunhado e perplexo:
– Você veio?
Ela, ali em pé, rota, esquálida e muda.
– Como me encontrou?
– Segui seu rumo.
– Ah.
– De quem é esta casa?
– Não sei.
– Por que você fez aquilo?
– Precisava.
– Que horror.
Apenas fechou os olhos. Ela tossiu:
– Posso me deitar um pouco com você? Estou morta.
Ele lhe deu espaço na rede e ela, pequena trouxa no chão e o vestido uma nuvem de pó, acomodou-se ao seu lado.
Apertou a mão dela:
– Durma um pouco.
– Não vou conseguir.
Nada respondeu e ouviam apenas o silvar do vento lá fora. Silvava, silvava, silvava...
Acordaram com a claridade da manhã entrando pelas frinchas da porta e da janela. Ele esfregou os olhos:
– Não apareceu ninguém.
– Vai ficar aqui?
– Vou continuar.
– Não quer voltar?
– Nunca.
– Que horror.
– Esqueça.
– Estou com sede. Tenho pão.
– Ali há um pote e uma caneca.
Ela levantou-se. Voltou ajeitando o vestido. Deu-lhe um pedaço do pão:
– Não trouxe nada?
– Só umas coisas na sacola.
– E eu esta trouxa. E uns pedaços de pão.
Beberam quase todo o resto da água. Ajeitaram-se e saíram para o tempo. Envolveram-se no descampado. Ele sopesou a mochila, ela ajeitou a trouxa no braço.
– Por que você veio?
Ela voltou a ajeitar a trouxa:
– Não sei.
Olhou-a nos olhos:
– Vamos?
– Para onde?
– O fim do mundo não deve estar tão longe assim...
Saíram caminhando lentamente.
Dois pontos que se foram perdendo na paisagem, sibilante de vento e de poeira navegante.
São Paulo, 14/02/2010 – às 08:00 hs.
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