(A morte de Cleópatra, de Reginald Arthur)
Pelas mãos de Clauder Arcanjo, chegou-me exemplar de Sabor de amar (Mossoró: Sarau das Letras, 2010), de Paulo de Tarso Correia de Melo. No exato momento em que o carteiro me entregou o pacote, eu conversava no meu escritório com um amigo. Não lhe direi o nome, para evitar atritos. Revelo apenas suas iniciais: AM. Adianto, porém, que não se trata de Airton Monte, nem de Airton Maranhão nem de Armando Monteiro. Rasguei o papel do embrulho, lambi a capa, folheei o volume. Curioso, AM olhava para o presente com olhos de quem comeu e não gostou. “Posso dar uma olhada nisso?” Entreguei-lhe a publicação e ouvi a primeira sentença: “O título é muito pobre”. O sangue me subiu às têmporas. Tive ímpetos de o expulsar de minha mansarda. “Ora, meu amigo, o título não é tudo”. Ele se aproveitou de minhas palavras para se fazer mais cáustico: “Se fosse tudo, os livros só teriam capa”. Senti-me ofendido. Mas ele continuou a diatribe: “A apresentação desse Clauder ainda fala em “musa inspiradora”, “profundo domínio da forma”, “inspiração dos aedos”. Tomei-lhe o impresso, com fúria, mudei de assunto e lhe ofereci veneno. Não sei se morreu a caminho de casa (não, não morreu, como vocês verão mais adiante), mas se retirou, trôpego e mudo, meia hora depois.
Paulo de Tarso nasceu em Natal, um ano antes de mim. É professor universitário, pós-graduado por universidade norte-americana. Publicou, em 2008, Talhe rupestre – Poesia reunida e Inéditos, “poemas resultantes de andanças pela Grécia e Portugal, que tentam uma reflexão sobre o fato poético, suas origens, suas implicações com o idioma português”, informa o editor nas abas. O poeta tem outras obras.
São bons os poemas desta que ora leio. Como “Arma virunque cano”, que é assim:
“Canto o passar do tempo
e flor do tempo
– a carne.
Na primavera do corpo
o verão arde.
O sol que nasce e deita
Sobre peito e prodígio.
Eu canto o dia breve.
À noite, silencio”.
Mais tarde, para saber se ainda vivia, telefonei a meu amigo AM. Li alguns poemas de Paulo de Tarso, em voz tonitruante. Eu o queria matar mesmo. O último foi “Salmo”:
“Ah, Senhor,
na hora de livrar-nos de todo mal,
livra-nos primeiro da beleza.
Da beleza do mundo, Vossa criação,
e da beleza maior do ser humano, Vossa Criatura:
tão súbita que nos embrutece,
tão forte que nos esmaga
– beleza, verdade, dor.”
Não li mais, por medo de o matar de beleza. Li para mim, até dormir. E sonhei com Cleópatra. Mordia-lhe os bicos dos seios. Sabia-me Marco Antônio, e minha língua – fúria romana – era víbora. Acordei sufocado: entre meus dentes, rasgava-se o travesseiro.
É o tropel das paixões, meu caro Paulo de Tarso. De que falava aquele imortal Bocage:
“Meu ser evaporei na lida insana
Do tropel de paixões que me arrastava:
Ah! cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
Em mim quase imortal a essência humana!”
Fortaleza, 18 de outubro de 2010.
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