(Microcontos extraídos de O Bule: http://o-bule.blogspot.com)
1
Jovem ainda, 17 anos, e sai com um jacaré. Suas amigas mais velhas, um pouco mais ajuizadas e experientes, aconselham:
– Larga disso. O camelo é mais charmoso.
O camelo, porém, não bebe. Ela prefere ficar com o gorila. E depois dele o elefante, porque fuma. Não resiste, porém, ao abraço do tamanduá e por isso mesmo se entrega aos beijos do leão. Chega em casa abraçada ao cachorro. Seu pai, indignado com o comportamento da filha, reclama:
– Isso são horas de chegar, mocinha?
2
Nós nos conhecemos no dia da sua morte. Foi curioso: eu passava na rua; na mesma rua ele havia acabado de morrer. Eu disse oi, ele falou oi. Para encurtar a conversa, eu cheguei a ser grosseiro: “Não adianta você ficar aí falando comigo porque eu não acredito em mortos falantes!”. Ele gargalhou. E disse: “Pois agora que estou aqui deste lado, começo a duvidar – a vida existe mesmo ou não passa de puro sonho?”. Faz três anos que conversamos. Eu continuo não acreditando. Ele duvida mais e mais a cada dia. Concordamos apenas num ponto: todas as respostas são insuficientes.
3
Passei anos falando bom dia todas as manhãs. Alguns respondiam, outros não, a grande maioria sequer me notava. Faz algum tempo, por distração, falei boa tarde ao invés de bom dia. O presidente da empresa ameaçou me demitir, os gerentes agora se calam quando eu me aproximo e os boys me olham com uma expressão que mescla admiração e repulsa. Eu compreendo: de uma hora para outra alterei o delicado equilíbrio das coisas. Não sei como suportaram isso; é mesmo muita sorte ainda estar por aqui.
4
No mês passado fui vítima de dois assaltos – mas tudo correu bem: eu saí vivo e os ladrões, satisfeitos. Percebi isso. Na semana passada, um assalto apenas. Mas foi genial: fui seqüestrado e passeamos muito pela cidade, eu e o ladrão. Descobri, aliás, ser ele um apreciador da filosofia de Kant. Um homem raro – e foi com raro prazer que lhe entreguei todo o meu dinheiro.
– É o suficiente para as suas investigações filosóficas? – perguntei.
– Tá de bom tamanho, doutor – respondeu ele, que se foi levando o meu carro. Ontem, no entanto, as coisas não correram nada bem: fui pego de surpresa, com pouquíssimo dinheiro, e o ladrão, percebi, ficou decepcionado.
– Faltas desse tipo são intoleráveis – ele protestou.
A mim só restou baixar os olhos e concordar, resignado.
5
A caixa é pequena: menos de um metro quadrado. Mas tem me sustentado há mais de 20 anos. Eu faço assim: chego na cidade, alugo um teatro modesto e espalho cartazes com uma fotografia colorida da caixa pelos postes. Em vermelho, uma frase bem simples: “O que será que tem dentro da caixa?”. É o suficiente para lotar o teatro. A cada uma das 100, 200 pessoas eu falo: “Não é fantástico? Nunca vi coisa tão genial dentro de uma caixinha!”.
Com medo de serem consideradas insensíveis a tão refinada manifestação artística, as pessoas todas concordam. Algumas até acrescentam: “É mesmo! O conteúdo da caixa é impressionante!”. Impressionante são as pessoas, eu diria. Mas isso não vem ao caso agora.
*Claudio Parreira - Escritor, chargista e vigarista. Foi colaborador da Revista Bundas, do jornal O Pasquim 21, Caros Amigos on line, Agência Carta Maior, entre outras publicações. Incluído nas antologias Contos de Algibeira, da Ed. Casa Verde; Fiat Voluntas Tua, editada pela Multifoco, e também Dimensões.br, da Ed. Andross. Mora em São Paulo, SP. Bloga em http://claudioparreira.blogspot.com/
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Jovem ainda, 17 anos, e sai com um jacaré. Suas amigas mais velhas, um pouco mais ajuizadas e experientes, aconselham:
– Larga disso. O camelo é mais charmoso.
O camelo, porém, não bebe. Ela prefere ficar com o gorila. E depois dele o elefante, porque fuma. Não resiste, porém, ao abraço do tamanduá e por isso mesmo se entrega aos beijos do leão. Chega em casa abraçada ao cachorro. Seu pai, indignado com o comportamento da filha, reclama:
– Isso são horas de chegar, mocinha?
2
Nós nos conhecemos no dia da sua morte. Foi curioso: eu passava na rua; na mesma rua ele havia acabado de morrer. Eu disse oi, ele falou oi. Para encurtar a conversa, eu cheguei a ser grosseiro: “Não adianta você ficar aí falando comigo porque eu não acredito em mortos falantes!”. Ele gargalhou. E disse: “Pois agora que estou aqui deste lado, começo a duvidar – a vida existe mesmo ou não passa de puro sonho?”. Faz três anos que conversamos. Eu continuo não acreditando. Ele duvida mais e mais a cada dia. Concordamos apenas num ponto: todas as respostas são insuficientes.
3
Passei anos falando bom dia todas as manhãs. Alguns respondiam, outros não, a grande maioria sequer me notava. Faz algum tempo, por distração, falei boa tarde ao invés de bom dia. O presidente da empresa ameaçou me demitir, os gerentes agora se calam quando eu me aproximo e os boys me olham com uma expressão que mescla admiração e repulsa. Eu compreendo: de uma hora para outra alterei o delicado equilíbrio das coisas. Não sei como suportaram isso; é mesmo muita sorte ainda estar por aqui.
4
No mês passado fui vítima de dois assaltos – mas tudo correu bem: eu saí vivo e os ladrões, satisfeitos. Percebi isso. Na semana passada, um assalto apenas. Mas foi genial: fui seqüestrado e passeamos muito pela cidade, eu e o ladrão. Descobri, aliás, ser ele um apreciador da filosofia de Kant. Um homem raro – e foi com raro prazer que lhe entreguei todo o meu dinheiro.
– É o suficiente para as suas investigações filosóficas? – perguntei.
– Tá de bom tamanho, doutor – respondeu ele, que se foi levando o meu carro. Ontem, no entanto, as coisas não correram nada bem: fui pego de surpresa, com pouquíssimo dinheiro, e o ladrão, percebi, ficou decepcionado.
– Faltas desse tipo são intoleráveis – ele protestou.
A mim só restou baixar os olhos e concordar, resignado.
5
A caixa é pequena: menos de um metro quadrado. Mas tem me sustentado há mais de 20 anos. Eu faço assim: chego na cidade, alugo um teatro modesto e espalho cartazes com uma fotografia colorida da caixa pelos postes. Em vermelho, uma frase bem simples: “O que será que tem dentro da caixa?”. É o suficiente para lotar o teatro. A cada uma das 100, 200 pessoas eu falo: “Não é fantástico? Nunca vi coisa tão genial dentro de uma caixinha!”.
Com medo de serem consideradas insensíveis a tão refinada manifestação artística, as pessoas todas concordam. Algumas até acrescentam: “É mesmo! O conteúdo da caixa é impressionante!”. Impressionante são as pessoas, eu diria. Mas isso não vem ao caso agora.
*Claudio Parreira - Escritor, chargista e vigarista. Foi colaborador da Revista Bundas, do jornal O Pasquim 21, Caros Amigos on line, Agência Carta Maior, entre outras publicações. Incluído nas antologias Contos de Algibeira, da Ed. Casa Verde; Fiat Voluntas Tua, editada pela Multifoco, e também Dimensões.br, da Ed. Andross. Mora em São Paulo, SP. Bloga em http://claudioparreira.blogspot.com/
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