(Rachel de Queiroz – 17/11/1910 a 4/11/2003 –, estátua na Praça General Tibúrcio, Fortaleza)
Memórias e experiências de vida se entrelaçam. Quando contamos sobre as nossas, estamos relatando momentos de outras pessoas que por vezes nem se dão conta dos efeitos e impressões que deixam em nós ou consideram tão banais que nem os registram em suas memórias.
Meu tio Zé Pessoa contou, por exemplo, sua primeira e definitiva viagem de Sobral para o Rio de Janeiro nos idos de 1940 quando foi cursar medicina. A rigor, mais que uma viagem, foi uma odisseia. Durou 18 dias e envolveu ônibus, trem a vapor, barco gaiola e caminhão.
O comboio ainda se encontrava em Petrolina quando o dinheiro do então jovem estudante estava chegando ao fim. Como estava faminto, precisou gastar alguns tostões para enganar a fome. Se dirigiu a uma pensão e pediu um café com pão sem manteiga, pois era o que ele podia pagar. A garçonete pareceu irritada com o minguado pedido e atendeu ao jovem com rudeza. Trouxe uma caneca de café com um pedaço de pão quase seco. Faminto, meu tio pôs-se a devorar o pão que ele molhava no café para amolecê-lo.
Na mesa do lado, uma senhora elegante, na casa dos trinta e cinco anos, fazia uma lauta refeição e observava a cena do pobre estudante. Percebendo a fome mal suprida do jovem, fez sinal e o chamou para sua mesa. Ele, muito tímido, fingiu que não havia entendido. Ela, então, levantou-se, foi até meu tio e o convidou para a mesa dela alegando desejar companhia em sua refeição. Ele tentou recusar, mas ela estava determinada a resgatá-lo.
Resultado, meu tio se transferiu para a mesa da senhora, comeu pão fresco, queijo, ovos, tomou leite, suco, enfim, se fartou e armazenou energia para economizar na viagem. Durante a refeição, ele se restringiu a responder as perguntas dela e a ouvi-la. Uma mulher simples e espirituosa, porém elegante, de olhar atento. Por fim, ela o convidou para visitá-la em sua casa na ilha do Governador no Rio de Janeiro, onde oferecia um almoço aos sábados para amigos nordestinos. Admirado com a generosidade da distinta mulher, meu tio se despediu profundamente agradecido.
Na saída da pensão, encontrou um conterrâneo amigo da família, a quem contou o ocorrido apontando para a nobre senhora que continuava na mesa, agora, a fazer anotações. Quando o conterrâneo olhou e viu a dita mulher, arregalou os olhos e exclamou: Rapaz, tu não reconheceste? Aquela é a ilustre escritora Raquel de Queiroz!
/////
Memórias e experiências de vida se entrelaçam. Quando contamos sobre as nossas, estamos relatando momentos de outras pessoas que por vezes nem se dão conta dos efeitos e impressões que deixam em nós ou consideram tão banais que nem os registram em suas memórias.
Meu tio Zé Pessoa contou, por exemplo, sua primeira e definitiva viagem de Sobral para o Rio de Janeiro nos idos de 1940 quando foi cursar medicina. A rigor, mais que uma viagem, foi uma odisseia. Durou 18 dias e envolveu ônibus, trem a vapor, barco gaiola e caminhão.
O comboio ainda se encontrava em Petrolina quando o dinheiro do então jovem estudante estava chegando ao fim. Como estava faminto, precisou gastar alguns tostões para enganar a fome. Se dirigiu a uma pensão e pediu um café com pão sem manteiga, pois era o que ele podia pagar. A garçonete pareceu irritada com o minguado pedido e atendeu ao jovem com rudeza. Trouxe uma caneca de café com um pedaço de pão quase seco. Faminto, meu tio pôs-se a devorar o pão que ele molhava no café para amolecê-lo.
Na mesa do lado, uma senhora elegante, na casa dos trinta e cinco anos, fazia uma lauta refeição e observava a cena do pobre estudante. Percebendo a fome mal suprida do jovem, fez sinal e o chamou para sua mesa. Ele, muito tímido, fingiu que não havia entendido. Ela, então, levantou-se, foi até meu tio e o convidou para a mesa dela alegando desejar companhia em sua refeição. Ele tentou recusar, mas ela estava determinada a resgatá-lo.
Resultado, meu tio se transferiu para a mesa da senhora, comeu pão fresco, queijo, ovos, tomou leite, suco, enfim, se fartou e armazenou energia para economizar na viagem. Durante a refeição, ele se restringiu a responder as perguntas dela e a ouvi-la. Uma mulher simples e espirituosa, porém elegante, de olhar atento. Por fim, ela o convidou para visitá-la em sua casa na ilha do Governador no Rio de Janeiro, onde oferecia um almoço aos sábados para amigos nordestinos. Admirado com a generosidade da distinta mulher, meu tio se despediu profundamente agradecido.
Na saída da pensão, encontrou um conterrâneo amigo da família, a quem contou o ocorrido apontando para a nobre senhora que continuava na mesa, agora, a fazer anotações. Quando o conterrâneo olhou e viu a dita mulher, arregalou os olhos e exclamou: Rapaz, tu não reconheceste? Aquela é a ilustre escritora Raquel de Queiroz!
/////