Translate

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Poetas brasileiros (1)

Por Nilto Maciel



Nos últimos dias de 2010, recebi três livros de poemas: Para comover borboletas (Rio de Janeiro: 7Letras, 2010), de Kelson Oliveira; Campo marcado (Rio de Janeiro: Booklink, 2010), de Francisco Marcelo Cabral; Postigos (Porto Alegre: Vidráguas, 2010), de Carmen Silvia Presotto. O primeiro é cearense de Limoeiro do Norte (1983). O segundo é mineiro de Cataguases (1930). A voz feminina é gaúcha de Sarandi. Vêm de três regiões bem distintas do Brasil e de tempos diversos. Em comum: o serem poetas e brasileiros.

O também poeta (e contista e historiador) Dércio Braúna (um dos novos muito bons) escreveu o prefácio da coleção de Kelson. Indo para o final, fez esta observação: “Creio que em Para comover borboletas é isto que temos: o prazer, o encantamento, a “degeneração lírica” operada por um partidário anárquico das palavras, um habitante de uma Babel feliz, onde as coisas do mundo, das mais miúdas às mais insondáveis em sua lonjura, onde tudo coabita, em declarada infidelidade às ideias feitas, às molduras prontas.” Kelson faz brincadeira com as palavras. Não com as palavras soltas, como o fizeram os concretistas e outros vanguardistas. O poema “Dois centímetros” é infinitamente belo:

“Aqui dessa janela

Susponho o sol na calma da mão.

Chover faço na rua

Praguar o meu jasmim”.

Vejam a beleza desta descrição, em “Entre vento e poeira”:

“Enquanto vento e poeira fecham os portões

Vejo abertos os horizontes

Onde uma rendeira fia um futuro entrelaçado

Com amor de linho, filhos de seda

E uma branca casa de algodão”.

Só quem não viu a vida, as paisagens do sertão, as pessoas simples, as rendeiras, só quem não viu nada ainda não há de se embebedar com esta bebida vinda do além de tudo, que é inexplicável. Se mais não transcrevo, é porque limito-me nas linhas, para não perder de vista o leitor.

Francisco Marcelo Cabral faz parte do grupo dos bons poetas brasileiros que, em 2010, completaram 80 anos de existência: Ferreira Gullar, Jorge Tufic e José Santiago Naud. Campo marcado (dedicado a Rosário Fusco, no centenário de seu nascimento) é rico de poesia e crítica. Esta riqueza começa nas abas, com Ronaldo Werneck: “Poucas vezes – nenhuma! – vi gente tão culta, de tão grande sensibilidade e inteligência como Francisco Marcelo Cabral”. Abre o volume um ensaio da poetisa Lina Tâmega Peixoto, que o encerra assim: (...) “recria com sutil e intensa beleza uma estrutura de linguagem que se move em peculiar experiência sensória, única e densa, com estrias de imagens enunciadas da realidade que alicerceiam um poderoso domínio discursivo que, aliado ao conhecimento pleno das técnicas do verso, conferem ao poeta a dimensão do sonho e do prazer com que insufla e constrói sua poesia.” Seus poemas, seus versos são delicados, sem arroubos de fanfarrão:

“Aqui mora a noite

e seu bafo de roupa guardada,

suas lãs descoradas e ásperas

como peles selvagens mal curtidas.”

Isto é de uma beleza só encontrada na grande música, na poesia dos que sabem lidar com as palavras, sem ferir, manhosamente. Que dizer desta homenagem às poetisas?

“Mães fecundas das palavras feridas

no papel, nos olhos

e nas lentas autoras

que tiram pelas jubas verdes

os felinos do mar.”

No mesma trilha de Marcelo e Kelson segue a novata Carmen. Dela diz o poeta Pedro Du Bois, outro valoroso artífice do verso: “Carmen ousa novidades a partir dos mesmos e tantos e quantos poetas nos atravessam a possibilidade de sermos escritores e leitores. (...) Sua literatura seduz pela inconstância com que nos lança ao desconhecido de tudo o que conhecemos (desde sempre). Estarmos entre janelas fechadas em postigos e sabermos sobre o lado de fora: terra habitável em novas descobertas” (...).

A poesia de Carmen Silvia Presotto é palpitante, cintilante, como se surgida dentro da noite, dentro das veias, dentro do mais fundo do ser.

“Ventres brancos

livres tempos

que nos sopram

e seremos Godivas



– Lua e Poesia –

pátrias nuas em busca de galáxias.”

Não quero falar de rimas, que é a lantejoula na roupa do poema; quero falar de nudez: Godiva, Poesia, Lua, ventres, liberdade, espaço infinito... Isto é poesia. O resto é verso para fazer homem cochilar.

Aos três poetas – o velho (com todo o respeito à velhice) Francisco Marcelo Cabral, o jovem (com todo o respeito à juventude, que passa tão rápida!) Kelson Oliveira, a moça Carmen Silvia Presotto – ofereço o meu dia, o meu hoje, a minha devoção de leitor, a minha admiração, e os aplaudo. São poetas brasileiros da mais bonita feição.

Fortaleza, 18 de janeiro de 2011.
/////