“Segunda Divisão”, de Clara Arreguy, é um dos melhores livros de ficção escrito no século XX tendo como tema o futebol brasileiro. Nesse romance com estilo que seduz sobre assunto que muitos acham sem condições para ser ficcionalizado, a mineira Clara Arreguy demonstra que a obra de criação literária vive da íntima capacidade de seu criador e do talento de quem a expressa com alma, dinamismo e vivência. Ela demonstra isso com firmeza ao desenvolver cada capítulo de “Segunda Divisão” em torno dessa grande paixão do povo brasileiro.
A ficcionista e a escritora caminham inseparáveis nos capítulos desse romance. com fatura exemplar sobre nosso futebol. A ficcionista sabe transmudar via imaginação e sensibilidade o drama que cada personagem carrega desde que o destino o envolveu no mundo do futebol. A escritora sabe usar o idioma em nível do discurso literário, da consciência diante da vida como expressão de uma linguagem pessoal, que por ser fluente, clara e apropriada, arrasta o leitor do primeiro ao último capítulo.
Romance moderno quanto ao assunto, o futebol com seu feitiço submetendo no teatro da vida os que a esse universo popular e mítico estão ligados diretamente – o jogador, o técnico, o árbitro, o torcedor, o comentarista, o repórter, entre outros, ou indiretamente, e de técnica moderna quanto à maneira de a autora mesclar com maestria a narrativa objetiva com o discurso direto, o discurso direto livre e o discurso indireto livre, para que assim seja exposto, em sua realidade aguda, o drama de cada um dos personagens. Ela também sabe colocar o diálogo de maneira cerrada em vários capítulos, usando-os com eficácia para dar mais vivacidade aos que estão envolvidos com a decisão.
A vida tem muito do jogo de futebol e o inverso também é verdade. Num jogo de futebol uma das grandes lições que se aprende é que ninguém quer perder, mesmo quando se trata de time pequeno que enfrenta o grande. Às vezes quando tudo parece perdido, no caso em que dois grandes se enfrentam, e um deles joga pelo empate para conquistar o título, eis que surge no último minuto o gol salvador. Por analogia, isso quer dizer que na dura lei da vida aquele que luta nunca se deve dar por vencido. Um dia, a confiança e a determinação conseguem atingir suas metas no campo da vida, trazendo a vitória do que parecia derrota sob o sopro constante dos ventos contrários.
A mineira Clara Arreguy conta em “Segunda Divisão” as vinte e quatro horas que antecedem à partida decisiva entre o Arapiara Futebol Clube, de São Paulo, e o Santa Fé Esporte Clube, de Belo Horizonte, valendo pelo título do Campeonato Brasileiro da Segunda Divisão. O corte no íntimo que a autora empreende em cada personagem mostra o drama revelando desejos, acertos e frustrações de lances lembrados, ligados ao futebol. É através da própria consciência do personagem diante da vida que a narrativa alcança com profundidade as zonas do sonho, das dúvidas que geram o tormento, enfim, da realidade expectante em que vencer ou vencer é a única opção que se tem para se tornar herói.
A autora revela que o Mineirão, palco do grande espetáculo, está lotado. Dos 60 mil ingressos postos à venda, cerca de 30 mil foram comprados. Em torno da pequena torcida do time do Santa Fé, os torcedores mineiros de Atlético, Cruzeiro e América se uniram para ajudar o jovem clube a reverter o resultado negativo trazido do Pacaembu. O Arapiara joga pelo empate para se sagrar campeão, enquanto a vitória por um gol dará o título ao Santa Fé.
Escritora apaixonada pelo esporte, sensível e conhecedora do assunto como poucos, Clara Arreguy oferece uma narrativa pujante e densa com o romance “Segunda Divisão” Ela é capaz de sustentar, em riqueza de detalhes e grandeza humanística, a expectativa do leitor ao curso de 32 capítulos para que, no último, venha a saber quem será o campeão. E essa é uma das grandes proezas que a autora consegue imprimir nesse romance sobre o nosso futebol, trazido do imaginário esportivo para a primeira divisão de nossas letras.
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* Cyro de Mattos é autor premiado no Brasil e exterior. Atual presidente da Fundação Iabunense de Cultura e Cidadania.
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