Com o Nilto Maciel, a gente não apenas lê. Claro, pois se ele não apenas conta!
Imagine-se então o que é ter em mãos o “Contos Reunidos II” (1) – uma pinçada a partir dos seus três últimos títulos: “As insolentes patas do cão” (1991) , “Babel” (1997), e “Pescoço de Girafa na Poeira” (1999), e o que seus subtítulos fazem com a gente.
E vamos ficando tão admirados que – no meu caso com certeza – nos deixamos invadir pela impossibilidade de mensurar com fidelidade tudo o que vai aflorando pela alma. E mensurar pra quê? Às vezes a gente ri, como não? Por exemplo em “A voz indecorosa”. Por Deus, só lendo, porque “... enquanto caminhava, João Canoro não parava de falar aos ouvidos de todas as mulheres da Terra...". Por aí já se imagina o quanto faz o João Canoro, impacientando as mulheres que encontra pelo caminho, mas nunca desistindo, e para isso usando, inclusive, a ventriloquia. O final eu não digo, que não sou estraga prazer. Digo apenas que é “bem amarrado. Ou seria “bem afiado”, como o é a própria vida e também o autor?
A verdade é que o Nilto leva o leitor pra lá e pra cá. Comigo foi assim, em “O riso do gato” e em diversos outros contos. Então o gato, mesmo tão perfeitinho, sisudo e circunspecto, e talvez por isso mesmo, os fios do bigode sempre bem colados às faces, não era bibelô. Até se deu ao luxo de amanhecer outro, num determinado dia. Ao final do conto, muito bem justificado, o gato era bibelô e pronto. Ou teria sempre sido? Eu só fiquei pensando é em por que será que um gato, que aparentemente era gato de carne e osso, se transformou em objeto depois de pegar um rato... – mas a gente se deixa levar porque quer, e muito, oras!
E sabe quando resta o pressentimento de que o final do conto foi pensado justamente para ser a negação do título? Só sendo muito bem afiado! Assim eu enxerguei o “Sonhos”. A personagem, uma mulher em lua de mel, sonha. Na verdade tem um pesadelo com a infidelidade do marido, e ao final (do conto) o agride com uma arma, desfazendo com isso não o que acabara de ver em sonho, mas o próprio sonho da relação amorosa. Assim, o que era um simples sonho, mais do que pesadelo, transforma-se em realidade, mais ou menos como escreve Nilto “, ... o leite transforma-se em sangue...”.
O homem criou coragem – foi trancar a porta já trancada. Achou engraçado? É mais do que isso. Sem dúvida que o riso é presente em várias passagens de diversos contos do Nilto. Em “Vou ser herói, Maria”, Nilto, mais do que isso, escreve de um jeito que me levou a pensar nas neuroses a que estamos expostos, e de como elas podem se manifestar assim, num repente, de dentro do aparentemente nada.
O Nilto não apenas conta. Ele – e através dele milhares de personagens humanos ou não –, conversam com a gente. De repente, estamos no meio das cenas. Isso se dá tanto pelo que ele escreve, – e é quando nos assombramos de assombramento bom – e também pelo que ele suprime de escrever, nos arremessando pra dentro de nós mesmos. É quando pescamos da riqueza que há nas suas entrelinhas. Pois é, também no espaço próprio para o sugerir, o Nilto faz e acontece.
Por essas e outras, ou seria melhor dizer “por esses e outros” – contos – , eu digo que em se tratando de Nilto Maciel a gente não apenas lê, a gente se encontra “por lá”. Por fim, que me perdoem esse tom coloquial, pois não sei comentar com a propriedade dos literatos, e talvez por isso mesmo tenha guardado por tanto tempo o assombramento que os escritos de Nilto Maciel despertam em mim.
Campinas, 18 de março de 2011.
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*Sou cearense. Moro em Campinas-SP. Bióloga, professora. Escrevo crônicas, poesias e contos. Livros publicados: A pontinha das páginas (2006). Girassóis ao meio-dia (2008), e Uma sujeita esquisita (2009). Participação em mais de 20 antologias, no Brasil e no exterior.
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