(Dimas Macedo)
“Um poeta é sempre irmão do vento e da água: deixa seu ritmo por onde passa”. Estes versos de Cecília Meireles traduzem o sentido da vida do poeta Dimas Macedo e de sua obra. Sua poesia se irmana às águas do Rio Salgado e ao vento que percorre os caminhos da sua literatura.
A poesia de Dimas Macedo nos apresenta várias virtudes, mas é a presença do eolismo explícito ou implícito dotado de substantivação, que legitima sua intimidade com a natureza, expressando as raízes e a alma de sua poética, tecida nos labirintos, na solidão e na dor filha do caos.
As dimensões eólicas visíveis na poesia de Dimas Macedo não alcançam as personificações presentes em Francisco Carvalho, nem o universo pictórico notório em Luciano Maia e Adriano Espínola. Cada poeta assimila sua própria parcela eólica, tornando-se um “ fazendeiro do ar ”, ou um latifundiário do vento.
O eolismo é uma realidade da poesia universal. Basta lermos Camões, Homero, Drummond, Pablo Neruda, Byron, Cecília Meireles, José Alcides Pinto, Francisco Carvalho, dentre outros, para constatarmos essa verdade. Mas vale salientar que a literatura cearense transborda eolismos por todos os poros, nas suas mais variadas significações e Dimas Macedo se encontra inserido nesse contexto.
A terra, a água, o ar, o vento e o fogo, são elementos simbólicos do universo, pertencentes a cultura do homem ocidental, e estabelecem uma relação de intimidade com a cidade e a literatura. Em “A distância de todos as coisas” (2000), Dimas Macedo ambienta em seu universo poético essa totalidade aqui expresso. O poeta canta a sua aldeia e entrega-a aos domínios da personificação e da metáfora, para enternizá-la e humanizá-la ainda mais. O poema “Lavras da Mangabeira” assume duas representações direcionadas ao poeta. Na primeira a cidade se mostra nos planos maternos e na segunda, concretiza o ideal de uma amante, com todas as sensualidades que o termo exige:
Amo-te, Lavras,
nasci de ti,
do teu útero perfumado
que se dilatou com o tempo
Para receber mais um filho.
depois parti,
o dever da vida me enxotou
para fora de ti.
Agora fecho os olhos
e mais me aproximo de tua distância,
concebo-te na minha imaginação,
alimento-me na tua lembrança
e identifico-me ainda com as tuas ruas,
principalmente a da Praia,
por ser mais íntima.
Quero-te, Lavras,
com toda a força telúrica do teu corpo
e denuncio-me
cordão umbilical de ti em mim:
solo e sangue,
suor e lágrimas,
beijo, amor e plenitude
e adoro-te com essa forma de mulher amada.
Sim, Lavras,
vejo-te com as tuas ruas
sedimentadas no meu passado,
com os teus postes sonolentos e calados.
Ruas que os meus passos percorreram,
calmas e serenas
como um acalanto de estrelas.
E assim, cidade,
sonho te possuindo
com um sexo em fogo que abrasa
e sinto-te
com o vigor imenso de tua grandeza.
Nos versos finais do poema “Elegias lavrense”, do livro “A distância de todas as coisas”, o poeta adota uma postura profética que se filia a lenda de Frei Vidal da Penha, movida por razões místicas e escatológicas, que anuncia o fim das cidades, por causa do transbordamento dos rios, transformando as torres das igrejas em camas de baleia. Mas para o poeta, isto não significa a ruína total, a sua cidade se refazerá, porque a água que gera a morte, gera a vida, propondo um novo ciclo:
(...) porque os nossos dias estão contados,
o teu e o meu, e não resta muito...
em breve o Salgado se lançará sobre ti,
avassalará as tuas ruas e as tuas casas,
arrastará a tua população em sua correnteza
e será o senhor absoluto
e o possuidor indomável do teu corpo.
Mas isso não significa o final completo, a tua ruína:
novas espécies brotarão do teu seio
e o império dos homens novamente se instalará sobre ti.
“A distância de todas as coisas” mostra-se reeditado e marca a estréia oficial do poeta nas letras cearenses. Nesta obra o vento não se expõe fartamente, ou seja, não se revela explicitamente. Mas, segundo Bachelard, “a poeira é o vento materializado”. Assim sendo, não podemos omitir os versos do poema “Infância”, que se mostram impregnados de forças eólicas:
(...) e os meus sentidos fizeram-se desatados
como sandálias na companhia
de terras poeirentas.(...)
Dimas Macedo persegue o “sopro do vento”, interioriza-o no seu eu lírico, tornando-o seu parceiro e juntos realizam grandes ações em “Lavoura úmida” (1996) seu segundo livro, que manifesta novas dimensões eólicas fundamentadas na substantivação, na singularização e pluralização.
O vento é a espada do poeta, por mais que ele se distancie, Dimas Macedo o aproxima de si, prendendo-o na introspecção do seu eu, que o liberta para os combates, abrindo os caminhos da partilha e da universalidade. Dimas Macedo tece sua saga eólica em “Lavoura úmida”, armando-se com todos os ventos, substantivando-os e pluralizado-os. Serve-nos de exemplo o poema “Escritura”, que também nos apresenta o eolismo materializado e tipológico:
(...) Que ócio é a vida, Eleutheria,
cantar o tédio sem cor da poesia
que não se comunica com o chão
cantar as espadas de dor do coração
na megalópole
e nunca haver galopado no vento Aracati
que varre as areias salobras do meu coração
Os ventos plurais que sopram
nos campos gerais do Ceará
do começo ao fim das estações
mugindo reses tresmalhadas
e ventanias de esporas ruminantes
sangrando dorsos e ancas
em tempos de espera e de espigas maduras.
(...) Minha canção é a aragem
que uns lábios pronunciam
Meus passos se anunciam vacilantes
entre a partilha do vento e o sertão (...)
(...) ou serás a ruptura do ácido
ou não será a poeira dos caminhos
ou não terás o caminho
e a compreensão do desespero do mundo
porque o mundo é mágico
Eleutheria (...)
“Estrela de Pedra”(1994) é o terceiro livro de Dimas Macedo , que nos apresenta o mar como uma grande realidade que nos afoga, afogando o próprio vento. Nesta obra, o poeta além de perseguir o vento, tentando aproximar-se dele mais intensamente, busca a paz. Rever o eolismo por perto, confirmando uma segunda aproximação. Persiste em “Estrela de Pedra” a substantivação e a interiorização eólica.
As dimensões eólicas substantivadas, interiorizadas, singularizadas e pluralizadas, retornam às páginas de “Liturgia do Caos”(1996), que reitera o discurso eólico das produções anteriores. Os poemas “Claridade”, "Legenda” , “Enigma” e “Ausência” deste último livro do poeta, confirmam o que estamos a argumentar:
Que desça sobre mim a noite
e em mim habite o vento
renovando as pedras da linguagem .
(...) Ora tropeçando num busto
ora quebrando uma pedra
ora enfrentando a morte
ou dominando os ventos
e o furor de suas tempestades.
Ainda que a ira dos deuses renasça
como um fogo celeste
eu sairei por aí.
e ainda que a flecha do amor
com seu doce veneno
se plante em meu destino
Eu sairei por aí a queimar-me
e a perseguir a paz
e a calmaria dos ventos que não tenho.
(...) O tempo é fogo.
O espaço é oceano.
O tempo-espaço
é calmaria e vento.
(...) Mirabolante mar
de esquisitas ondas
és a saliência dos ventos
que as minhas mãos intranqüilas
reverdecem
para massagear o chumbo do teu corpo
O eolismo materializado não se desvela nas obras “Estrela de Pedra” e “Liturgia do Caos”, concentrando-se apenas em “A distância de todas as coisas” e em “Lavoura Úmida”. Esta saga eólica de Dimas Macedo é grandiosa, não para neste caminho que agora se abre...
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