(Publicado originalmente no blog gavetadoivo.wordpress.com)
(W. J. Solha)
Já li e recomendo O relato de Prócula, desse homem dos sete (só?) instrumentos: poeta, romancista, jornalista, ator de teatro e cinema, pintor impressionista, expressionista e outros istas, autor de libretos de ópera, conhecedor profundo de cinema, seus astros diretores etc. – enfim, o factótum literário mais realizado que conheço: W. J. Solha. O livro é um conflito entre o sentimento religioso do padre Martinho e sua vocação carnal desenfreada. E a tese do porquê da defesa de Jesus por Pilatos, uma revelação até agora insuspeitada. Solha, paulista de Sorocaba, radicou-se em João Pessoa-PB, aumentando a valorização daquele território onde se pode encontrar o maior número de intelectuais por metro quadrado no Brasil. O livro tem profundidade ideológica, além de ser uma conquista estilística entre o sinfônico e o cordel, ganhador de uma bolsa da Funarte e finalista do prêmio Jabuti. Mas Solha é muito mais que isto: sua História Universal da Angústia escarafuncha as profundidades anímicas de Saul e Parsifal, de Édipo e de Hamlet, etc. fazendo deles personagens dialogáveis entre nós. Seu Trigal com corvos (prêmio João Cabral de 2005) é uma palheta transbordante de cores e de sons poéticos. O blog em que escreve, www.eltheatro.com, é um espetáculo de erudição pictórica. E vai por aí. Confiram.
Recentes notícias das multiatividades solhísticas me levam a esboçar este apêndice: estou conhecendo, pelo relato de suas memórias (“Pequena Arqueologia de Minha Vida Pregressa” no blog acima citado), alguns detalhes de suas exaustivas atuações como artista principal ou coadjuvante em inúmeras “curtas” produzidas no Nordeste. Numa delas, o nosso herói é assassinado e tem que permanecer imóvel no solo por algum tempo, para compor a cena. Solha conta que, após cair “morto”, prendia a respiração até o momento em que o diretor gritava “Corta”. E a cena devia repetir-se outras vezes, com novas tomadas em ângulos diferentes, para só depois se proceder à montagem final. Mas em cada uma delas, ele, o assassinado, caía sempre no chão e lá permanecia imóvel, durinho, sem piscar, absolutamente rígido até que o “corta” do diretor o restituísse à vida. Imagino que a morte verdadeira andou por ali bem perto, pois Solha, detalhista e perfeccionista como é, teria preferido morrer sufocado em silenciosa apneia a empanar a veracidade da cena. Por várias vezes desmaiou, de emoção, de exaustão, de pressão alta, até descobrir-se hipertenso, mas nem por isto está disposto a renunciar ao hobby. Tudo o que faz tem aquela grandeza e a determinação de um escultor. Como dificilmente qualquer desses filmes chegará aos cinemas do Rio, ficamos imaginando o que seria a vida (?) de Solha se fosse chamado a figurar numa Tropa de Elite junto ao Wagner Moura. O coração iria embora, sem dúvida. Se fosse então numa pontinha lá no Exterior¸ contracenando mesmo à sombra do Rodrigo Santoro, a morte seria anunciada no ato mesmo do convite. Para o Solha não há pequenos papeis, pois ele os engrandece a todos com o seu talento. É impressionante como uma pessoa pode ser tão completa em tantas atividades artísticas. Aquelas memórias do blog nos dão exemplos do que ele fez em matéria de pintura, as suas realizações no terreno da música, sem falar em sua carreira profissional. Sei que, não satisfeito em ter escrito o grande romance dos últimos vinte anos (meu voto), ele está agora empenhado num longo poema, depois de nos dar o Trigal com Corvos. A cada dia nos surpreende, nos achincalha, nos humilha, a nós, seus amigos mais chegados, com artigos de espantosa erudição seja poética, econômica ou filosófica. E nos manda, de bonificação, como piparote final, essas suas memórias ilustres e ilustradíssimas, cheias de humor e aventura, de música e poesia, nunca de mero som e fúria.
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