Velhice também é cultura. Um dia desses fui a uma dermatologista dar uma geral na lataria e aprendi que aquelas manchas avermelhadas que apareceram em minha pele atendem pelo nome poético de púrpura senil. De repente, passei a ter a maior admiração por essas testemunhas inexoráveis do passar do tempo em meu corpo.
Agradeço pelo eufemismo ao poeta (deve ter sido um poeta) que criou uma metáfora tão bela para este atestado do avançar dos meus anos. Uma mancha púrpura pode ser considerada uma espécie de signo de nobreza. Na Roma antiga, só o imperador tinha o direito de usar a cor púrpura em sua roupa. O bom e sábio Nero chegou a punir com a morte quem se atrevesse a vestir ao menos uma cueca púrpura.
Não é a primeira vez que o colorido do organismo me surpreende. Há alguns anos, fiz uma endoscopia e o médico, meu amigo, me deu um DVD com as imagens do exame. Fiquei extasiado ao descobrir que sou cor de rosa por dentro. Mas confesso que não fico confortável quando vejo aquela confusão de cores que o monitor do médico me mostra quando faço uma ultrasonografia. Fico imaginando coisas esquisitas que estariam ocorrendo nos meus órgãos internos, principalmente naquele abrir e fechar das válvulas do coração.
São muitas as cores que nos vestem pela vida. Ficamos vermelhos de raiva, amarelos de vergonha ou verdes de medo. Ficamos também azuis de fome e roxos de tanto amar. Praticamos o humor negro e algumas vezes nos dá um branco na memória. É vasto o espectro que nos habita. Mas só alguns privilegiados podem exibir publicamente a cor púrpura.
Não me tomem, por favor, por hipocondríaco. Mas passei a conviver melhor com aquelas manchas delatoras depois que descobri o seu nome poético-científico. Claro que dispensaria de bom grado o “senil”. Mas de alguma forma me sinto privilegiado em repartir com os antigos imperadores o privilégio de passear por aí vestido de púrpura.
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