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sábado, 15 de outubro de 2011

A festa do sacrifício (João Soares Neto)


Tárik nasceu em Jalalabad, no Afeganistão, quase fronteira com o Paquistão. Criou-se dentro da fé islâmica e isolado do mundo. Seu pai morrera na guerra contra a União Soviética e a mãe resignara-se em ficar cozinhando e orando em casa. Aos 14 anos teve uma crise forte de vesícula e foi removido para Cabul, capital do seu país.

Cicatrizado, viu-se em meio a multidões que andavam em grupos pelas ruas destroçadas. Tomara consciência de que eram vencedores da guerra contra os soviéticos, mas só via miséria. Era o mês do Ramadã, a época sagrada em que se comemorava a primeira revelação de Allah ao mensageiro de Deus, Muhammad. Naquele dia, seria a terceira vez que orava e pediu iluminação. O que fazer de sua vida vazia? Voltar para Jalalabad? Ficar em Cabul?

Uma fé mais forte tomou conta de seu corpo esguio de adolescente. Olhou a multidão formada defronte à mesquita e para lá se dirigiu. Um homem alto, bem mais alto que os demais, de feições graves, arma a tiracolo, falava manso para pessoas extasiadas. Dizia que Allah, o único Deus, pedia a todos os muçulmanos que se unissem para acabar com a fome e a injustiça de Satã. Terminada a oração, o homem alto foi seguido por dezenas de pessoas que tomaram um caminhão. Sem saber como e nem por que correu, a tempo de subir na carroceria cheia de pessoas armadas, mas tranquilas. O caminhão deixou Cabul e dirigiu-se às montanhas. Em pouco tempo, chegaram a um acampamento que era encoberto por grandes pedras e árvores ressequidas. Todos desceram e foi aí que notaram sua presença. Era um estranho e um estranho muito jovem em meio àqueles homens obstinados. Foi detido e levado à presença do homem alto. Este ouviu a sua história, deu-lhe um Alcorão surrado de presente e perguntou se seria, a partir daquele dia, submisso a Deus. Tárik respondeu que sim, a sua vida teria um sentido. Tudo era novo para ele.

O homem alto deu-lhe muitos livros para ler e cobrava. Fazia perguntas e testava. Tárik foi descobrindo, fascinado, a glória da informação e do conhecimento. Anos mais tarde, o homem alto lhe disse: é preciso que você leve a força de Allah para lugares profanos. Vá, misture-se a eles, mas nunca perca a sua fé. Irmãos o acolherão. Aprenda a língua dos ímpios e tente viver como um deles. De tempos em tempos, nós manteremos contato.

Agora, Tárik estava ali naquele aeroporto, de barba raspada, calça, camiseta e prosaica mochila onde levava o velho Alcorão e quatro agulhas de tricô enfiadas num novelo de linha. Aprendera a manuseá-las de forma diferente. Com ar descuidado, repousou a mochila na máquina de raio-x e a recebeu com indiferença no outro lado da esteira. Não olhava para os lados, mas não estava só. Tinham todos os mesmos pares de tênis, novos, pretos com cadarços vermelhos. Esta era a senha.

O avião taxiava e ele sabia que, em breve, participaria da Eid al adha, a festa do sacrifício, e receberia o perdão divino. Era preciso que fizesse, o homem alto assim o determinara.
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