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sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Chico Miguel de Moura, o menino quase perdido (Nilto Maciel)




Minha amizade com Chico Miguel de Moura tem sido sempre retardada. Sua primeira obra publicada, em 1966, intitula-se Areias. No entanto, só tive oportunidade de a ler mais de 10 anos depois. Eu morava em Fortaleza (até 1977); ele, em Teresina. Capitais de estados limítrofes, sim, porém tão distantes um do outro que mais parecem fincados em pólos opostos. Quem no Ceará sabe, pelo menos, os nomes dos principais escritores piauienses? Que cearense leu O. G. Rego de Carvalho, Mário Faustino, Assis Brasil?
Transporto-me de novo aos anos setenta. Terá Chico vindo a Fortaleza, sem me comunicar? Em 1973 (?) viajei à capital do Piauí. Não me interessava muito por literatura naquele tempo. Vivia mais para futebol, mulher e cerveja. Compareci ao maior estádio da cidade, para assistir a um jogo entre Fortaleza e um clube de lá. River ou Flamengo? Durante o jogo, lançaram em minha direção bagaços de laranja e sacos com mijo. Voltei para casa sujo, mas vencedor. Depois nasceu a revista O Saco, e passamos, eu e Chico, a nos corresponder. Li todos os livros dele, desde Areias aos romances, conjuntos de poemas, contos e crônicas e ensaios.

Passados mais 20 anos, pude me encontrar pela primeira vez com ele, no aeroporto de São Paulo, a caminho de Havana. Pela velha capital andamos a pé, ao lado de um escritor local, visitamos casas de escritores falecidos, igrejas, bibliotecas, escolas, La bodeguita del medio.

Agora, 2011, recebi dele exemplar de O menino quase perdido, editado em 2009. Como informa, nas abas, José Ribamar Garcia, este é o 30º impresso “desse versátil e talentoso escritor” nascido em Francisco Santos, município de Picos, sertão do Piauí, em 1933.

O menino quase perdido se compõe de crônicas (Chico acha que pode ser chamado de romance-memória). São 35 ao todo, desde “A vida começa num buraco” até “Naquela tarde de abril”. Na inicial, um narrador onisciente relembra o protagonista da obra (o próprio Chico): “O menino estava na casa do avô materno, cuidado por uma tia”. Na derradeira, o personagem, homem feito, com filhos, aparece diante de Ruth, a menina por quem se apaixonara na adolescência: “E calaram os dois, embebidos um no olhar do outro, procurando captar, no que ainda restara – a face do que foram e já se havia esfarinhado no tempo”.

O volume se inicia com um longo prefácio, de Teresinha Queiroz, intitulado “A vida começa num sonho”, paráfrase do título da primeira crônica. Lá pelo meio do estudo, vem esta informação: “Acompanhamos o menino nas mais diversas brincadeiras como a da procura de botijas de ouro, a da transformação de animais e pedras em objetos e seres fantásticos; com ele corremos desabaladamente, o rosto ao vento em busca dos sonhos, viajamos ao passo lento dos jumentos de outrora, vigiamos roças de alho e plantações de milho, esfregamos nossos pés sujos de areia antes de dormir, comemos barro escondido e nos envergonhamos de nossas redinhas mijadas.” E a prefaciadora vai além dessa síntese e chega ao que é memória literária: “Nessa prosa proustiana de Francisco Miguel de Moura, escanchada na cintura de nossas mães, nos religamos pelo tapete mágico da linguagem com a natureza que nos acolhe e nos limita, com a domesticidade de costumes que nos conforta, com a cultura escolar que nos modela, com a figura da grande família que nos coloca na história e nos lugares sociais.”

Para não parecer que tenho pretensão de fazer crítica literária de (ou resenhar) O menino quase perdido, salto ao topo desta página (quase crônica de ancião perdido entre livros), para dizer: minha amizade por Chico Miguel ainda se retardará por muitos tomos de poesia, prosa de ficção ou memória, se assim o senhor ou a senhora (ou os senhores e as senhoras) do verso e da prosa permitirem.

Fortaleza, 6 de novembro de 2011.
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