Disse Georges Bataille que a literatura é uma força essencialmente contestadora, uma presença confrontada em “medo e tremor”, capaz de nos revelar a verdade da vida e suas possibilidades excessivas, que só se realiza quando escrever deixa de ser uma arte da livre vontade para tornar-se uma questão de sobrevivência.
Bataille faz uma oportuna distinção entre livros escritos a guisa de experiência e livros que nascem da necessidade. E nos interroga de maneira apaixonada, parcial e desafiadora, como devem interrogar todos os que se entregam às delicias e aos tormentos do pensamento. Como podemos perder tempo com livros que sentimos que o autor não foi compelido a escrever?
Eis porque ainda se lê Marx e Engels. Eles escreveram por uma necessidade visceral inexplicável, porque tinham de fazê-lo. E o fizeram, como puderam fazer. Aqui, no entanto, a grande produção de títulos leva à vulgarização e nos faz ponderar sobre a gratuidade do ato de escrever, usado, abusado e colocado quase sempre a serviço da vaidade provinciana que busca auto-satisfação na logorréia.
Montaigne condena essa produção estéril e apressada. E defende a criação de uma lei capaz de exemplar com os rigores incautos e reincidentes, semelhante à velha lei que punia por vadiagem. Alguns séculos depois, o brasileiro Silvio Romero diria que um grande contingente de poetas seria sintoma infalível de decadência de uma cultura.
Há, por toda parte, gente escrevendo e produzindo livros em excesso. Escritores que prescindem do convívio dos livros. Seja-nos suficiente a vistoria diária da página de Opinião – a mais nobre de todas – dos nossos jornais. São tantos os articulistas que já constituem um pagode. Porém, apesar desse afã de nos fazermos reconhecidos como escritores, faltam-nos os autênticos homens de letras de que carece uma literatura vitaminada.
Escrever tornou-se um exercício de frivolidade que apetece a todo mundo, inclusive aos ágrafos. Resulta quase sempre em ejaculação precoce, masturbação, goga... Beira a irresponsabilidade, como fruto do desfastio, do tédio e da vaidade que a todos contamina e agrada. Enfim, uma contravenção simpática que pode ser praticada impunemente.
Diante deste quadro, faz-se necessário e urgente que as nossas instituições promovam o hábito da leitura como tática de preservação da cultura das belas letras, despertando os jovens para a convivência com os livros, fornecendo-lhes o arsenal de informação básico para que eles possam escolher suas leituras com altivez e competência.
É preciso ampliar em caráter permanente e sem lapso o acervo das nossas bibliotecas públicas, reforçando a verba para a aquisição de livros, inclusive dos lançamentos que muitos querem ler e poucos podem comprar... E sem deixar de fora as bibliotecas escolares que precisam não apenas de manuais e de livros didáticos, mas da grande literatura. Somente depois desse processo é que teremos leitores capazes de distinguir o excelente do apenas bom ou razoável.
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