Neste instante tento descobrir de onde me vem tanta vagueza e o que encontro, dentro de minha liberdade sobressaltada, é ainda mais vagueza. Uma claridade me percorre todo e dela somente a sensação de estar cumprindo-a. Não há solidão – há espírito.
Acordo cedo, ainda sem ameaça de interferência, mas, no meio do café, paro porque um mundo ainda se espreguiçando volta-me em memória dos dias anteriores. Falta pouco para o horário do trabalho e então estarei na glória de um homem, aquele que pode dizer coisas de sua época, enquadrar-se na perspectiva do erro e do acerto.
O café preparado por mim, as portas que preciso abrir, pareço estar libertando minha casa porque os primeiros raios do dia insistem para quem já não pode dormir. Arrumado, alimentado, confiro a pasta, a agenda, as chaves (o que estaria esquecendo desta vez?) e sigo acostumado, irrefletido.
No movimento do tráfego, meu carro sempre presente como se nunca tivesse existido. Dentro dele, alguma glória mal nascida me percorre no ritmo da vida. Saltam-me à memória meus irmãos no interior, meus sobrinhos crescendo enquanto dirijo, minha mãe resistindo a mais um pouco de velhice. Sozinha? Como pode ter envelhecido assim? Ela que me ensinava a viver e escondia sempre algo à nossa revelia. E agora a velhice.
O sinal fecha, buzinas me alertam, quase encantam, não fosse o desígnio. Padarias, farmácias, mercearias, grandes negócios... O sinal abre, minhas lembranças me prendem a garganta, mas uma palavra mais próxima é a que preciso para o trabalho fluir, para o colega da empresa mostrar seus bons resultados, para alguém no mundo orgulhar-se de nós.
Minha dignidade, meu honesto sustento, meu cansaço, minha ausência – meu papel,... Sem me dar conta, meu papel na vida. Se sou educado, devo esforçar-me para ser educado? Mas tenho valor dentro do valor do outro. Por isso sigo ordens, represento tão bem minha época cheia de coisas admiráveis e incompreensíveis.
Neste instante, minha vagueza é a única claridade, enquanto estou com medo. Esforço-me para fugir de mim, mas é exatamente a mim que querem de sua partilha na batalha. Neste instante em que o trabalho é todo o espaço, olho disfarçado meu ofício e chamo meu pai. Mas como esperar por um morto? Como encontrar quem entenderá o que não saberei dizer?
Sei da luta contra o medo. Quando usamos nossa força para medi-la com o outro, estamos com muito medo. Pelo temor nos defendemos e nos mostramos grandes, maior do que nós mesmos – somos o outro e nos negamos às vezes.
Ao retornar a casa, esqueço o horror, lanço-me na minha melhor vagueza de querer medrosamente abraçar o outro, porém, sem nenhum domínio.
* Geovane Monteiro, professor e contista. gfernandesmonteiro@hotmail.com
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Acordo cedo, ainda sem ameaça de interferência, mas, no meio do café, paro porque um mundo ainda se espreguiçando volta-me em memória dos dias anteriores. Falta pouco para o horário do trabalho e então estarei na glória de um homem, aquele que pode dizer coisas de sua época, enquadrar-se na perspectiva do erro e do acerto.
O café preparado por mim, as portas que preciso abrir, pareço estar libertando minha casa porque os primeiros raios do dia insistem para quem já não pode dormir. Arrumado, alimentado, confiro a pasta, a agenda, as chaves (o que estaria esquecendo desta vez?) e sigo acostumado, irrefletido.
No movimento do tráfego, meu carro sempre presente como se nunca tivesse existido. Dentro dele, alguma glória mal nascida me percorre no ritmo da vida. Saltam-me à memória meus irmãos no interior, meus sobrinhos crescendo enquanto dirijo, minha mãe resistindo a mais um pouco de velhice. Sozinha? Como pode ter envelhecido assim? Ela que me ensinava a viver e escondia sempre algo à nossa revelia. E agora a velhice.
O sinal fecha, buzinas me alertam, quase encantam, não fosse o desígnio. Padarias, farmácias, mercearias, grandes negócios... O sinal abre, minhas lembranças me prendem a garganta, mas uma palavra mais próxima é a que preciso para o trabalho fluir, para o colega da empresa mostrar seus bons resultados, para alguém no mundo orgulhar-se de nós.
Minha dignidade, meu honesto sustento, meu cansaço, minha ausência – meu papel,... Sem me dar conta, meu papel na vida. Se sou educado, devo esforçar-me para ser educado? Mas tenho valor dentro do valor do outro. Por isso sigo ordens, represento tão bem minha época cheia de coisas admiráveis e incompreensíveis.
Neste instante, minha vagueza é a única claridade, enquanto estou com medo. Esforço-me para fugir de mim, mas é exatamente a mim que querem de sua partilha na batalha. Neste instante em que o trabalho é todo o espaço, olho disfarçado meu ofício e chamo meu pai. Mas como esperar por um morto? Como encontrar quem entenderá o que não saberei dizer?
Sei da luta contra o medo. Quando usamos nossa força para medi-la com o outro, estamos com muito medo. Pelo temor nos defendemos e nos mostramos grandes, maior do que nós mesmos – somos o outro e nos negamos às vezes.
Ao retornar a casa, esqueço o horror, lanço-me na minha melhor vagueza de querer medrosamente abraçar o outro, porém, sem nenhum domínio.
* Geovane Monteiro, professor e contista. gfernandesmonteiro@hotmail.com
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