Entre a viagem ao Rio de Janeiro (7 e 8 de novembro) e os preparativos para o lançamento (1º de dezembro) de Os guerreiros de Monte-mor, recebi oito publicações: Terra de Nheçu (Florianópolis: LEDIX, 2009), de Nelson Hoffmann; As joias da coroa (São Paulo: Tordesilhas, 2011), de Álvaro Cardoso Gomes; Ao som do realejo: narrativas profanas (Florianópolis: Nauemblu Ciência & Arte, 2008), de Péricles Prade; O pequeno Hércules e outras fábulas contemporâneas (Fortaleza: Armazém da Cultura, 2011), de Simone Pessoa; e quatro do poeta Luís Augusto Cassas: A ceia sagrada de Míriam (2010), A mulher que matou Ana Paula Usher (2008), Evangelho dos peixes para a ceia de aquário (2008) e O filho pródigo: um poema de luz e sombra (2008), todos da Editora Imago, São Paulo.
Li-os um a um, ora nas manhãs barulhentas, ora nas tardes preguiçosas, ora nas noites de cansaço, ora nas madrugadas de gatos no telhado. Entre o deleite de um e outro, lia mensagens (quase todas com arquivos) e lhes dava respostas concisas; rabiscava capítulo de romance (um dia se concluirá, nem que seja daqui a dez anos); falava ao telefone com Dimas Carvalho (de Acaraú), Raymundo Netto, Pedro Salgueiro, Eugênio Leandro, Soares Bulcão e outros amigos do peito, digo, do ouvido; e ainda arranjava tempo de ir à padaria tomar café com leite e tapioca, almoçar, jantar e estirar as pernas.
Nunca vi um só dos cinco personagens desta crônica, embora com eles me corresponda há muitos (Nelson, Cassas e Prade) ou poucos anos (Simone e Álvaro). O primeiro vem dos tempos da revista Literatura, da qual se fez assíduo colaborador (chegou a ser capa, por entrevista concedida a mim). Cassas me mandava impressos quase todo ano. Prade é o mais antigo e desse conhecimento me referi na crônica “Alçapões, milagres e bruxarias de Péricles Prade”. Simone é de agora. Descobrimo-nos na Internet, ela a publicar crônicas no jornal O Povo, de Fortaleza. Álvaro é também de outros tempos (um pouquinho mais velho do que eu), mas só recentemente me ofereceu o primeiro impresso.
Terra de Nheçu é constituído de artigos de feição histórica. Esta é a 3ª edição e tem como subtítulo Aparecidos e guardados – V. Nelson Hoffmann esclarece o leitor na primeira página do volume: “A temática é a abertura do Rio Grande do Sul e gira em torno das duas figuras emblemáticas da época: Nheçu e Roque Gonzales. (...) Os trabalhos já tinham sido todos publicados em órgãos e meios diversos (...). Com a publicação em livro, eu apenas reunia e concatenava alguma colheita de anos de pesquisa e reflexão. Esta mais que aquela”. Os fatos narrados remontam ao início do século XVII: “No dia 03 de maio de 1626, o Pe. Roque Gonzales de Santa Cruz adentrou o solo gaúcho e fundou a Redução de São Nicolau. Há tempos que o padre tencionava ingressar em terras sul-rio-grandenses, mas o empecilho chamava-se Nheçu”. Quem era Nheçu? Leiamos a história contada por Nelson.
As joias da coroa é romance de 330 páginas, dividido em 25 capítulos numerados. Na quarta capa, o leitor tem ideia do que seja a trama: “Com humor ágil e cortante, Álvaro Cardoso Gomes conduz o leitor pelas ruas frenéticas e mal iluminadas da noite paulistana. A sutileza com que o autor pinta o mistério aproxima As jóias da coroa da aura de romance policial clássico, assim como da mais envolvente safra do bom e velho filme noir”. O narrador é o investigador policial Medeiros e inicia a composição (ou a narração) como um policial qualquer (desleixado, desbocado, chinfrim), assim: “Quando cheguei no DP pra falar com o Cebolinha, já tinha certeza absoluta de que, mais uma vez na vida, ia ser enrabado”. Com erros de concordância, clichês, baixo calão, gíria, cacofonia, o diabo-a-quatro. E um excesso de diálogos, que faz a fortuna dos romancistas.
A prosa ficcional de Péricles Prade eu conheço há muitos anos, desde Os milagres do cão Jerônimo, cuja primeira edição é de 1970. Este Ao som do realejo: narrativas profanas, que é novo, tem medidas mais amplas do que as dos tomos comuns: 20 x 27. E muitas ilustrações (de Valdir Rocha). A primeira peça (“No país dos silvanos”) tem meia página. Há outras mais curtas: “Explicação” e “Ressentimento”, com três linhas. Uma delas (“Perplexidade”) é tão miniatural que cabe numa linha: “Não é mesmo que cresceu cabelo na palma da mão?” A maioria, porém, tem tamanho de miniconto mesmo: de meia a uma página. Todos de inusitada textura. Nada de realismo, cópia de jornal, reportagem, notícia. Tudo invenção pura. Por isso, Dennis Radünz, nas abas, se refere a “livro de limbos e umbrais, de paisagens interditas que se narram pelo que ocultam”.
O pequeno Hércules e outras fábulas contemporâneas traz uma Simone Pessoa voltada para a criação, ela que tem se dedicado a escrever crônicas (pedaços da vida real). Este objeto também tem medidas mais amplas do que as comuns aos livros: um cachorrinho desenhado na capa. No miolo, outros desenhos de Ramon Cavalcante. São dez historinhas, desde “O cavalinho diferente” até “O urubu teimoso”. Finaliza-se o volume com um glossário (para crianças ou pessoas não afeitas a leitura). Na apresentação, Simone avisa: “Estas fábulas tratam, com certa sutileza, de termas como a valorização da diversidade, a capacidade do perdão, a importância do trabalho, determinação como forma de superação, a adoção de filhos, a vaidade, o enfrentamento de medos e conflitos, a conciliação da atividade com o lazer, a honestidade, a capacidade de escolha e suas consequências, dentre outros.”
As quatro publicações de Luís Augusto Cassas são também de poucas páginas. O filho pródigo: um poema de luz e sombra traz apreciação de Ledo Ivo: “um cântico espiritual, uma interrogação ao divino”. Inicia-se com uma série de epígrafes, em quatro páginas. Marco Luccheci, em “O encontro de Ulisses e Telêmaco” (p. 15/16), refere-se a “uma sentida telemaquia”, ou a uma “busca da origem”. Cassas está sempre bem acompanhado. Em Evangelho dos peixes para a ceia de aquário é a vez de Leonardo Boff (nas abas): Cassas se vale nesta peça dos códigos do inconsciente coletivo (“os sonhos ancestrais da humanidade”) e da astrologia (Eras de Peixes e de Aquário). Em A mulher que matou Ana Paula Usher (dito poema-romance) nos apresenta (nas abas) Paulo Urban: psiquiatra, psicoterapeuta e poeta. E lá está escrito: “Redestilando o poemextrato várias vezes na retorta: o poetalquimista Cassas encontrou na paixão humana sua matéria-prima, e compôs a partir dela esta sua Obra-prima do amor divino”. Em A ceia sagrada de Míriam: oferenda lírica, o poeta maranhense atinge o ápice do lirismo, num poema dedicado a sua mãe, “que foi e será o sol estrelado nas bandejas de café sobre as manhãs de linho branco do ofertório do mundo”.
E assim encerro meu 2011, pleno de poesia, arte literária, livros a mancheias, abraçado a meus irmãos de todos os cantos e silêncios: Álvaro Cardoso Gomes, Luís Augusto Cassas, Nelson Hoffmann, Péricles Prade, Simone Pessoa e aqueles outros que me presentearam suas obras. A cada um, os meus agradecimentos.
Fortaleza, 6 de dezembro de 2011.
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