Num gesto do mais autêntico autoritarismo, minha médica mandou a atendente medir a circunferência da minha barriga e tomou a decisão unilateral de me decretar obeso. Claro que protestei veementemente contra o reconhecimento científico do meu visível arredondamento. Mas no fundo eu já vinha achando que estava na hora de abrir mão de alguns prazeres para poder voltar a encarar sem medo a minha parte do guarda-roupa. Além disso, já andava chateado com a dificuldade em executar certos movimentos, fazer um mínimo de força, sustentar o peso de alguns objetos.
É um fato da vida. Vamos entrando nos anos, dobrando o Cabo das Tormentas (ou da Boa Esperança, para os mais otimistas) e nos damos conta de que nos falta força. Não apenas a força física. Aquele ímpeto que nos incita o espírito também vai esmorecendo.
É hora, então, de economia. É preciso aprender a abrir mão dos excessos. O primeiro deles é o excesso de peso. Do nosso próprio peso. Depois, comecemos a pensar nos outros excessos, verdadeiros pesos pendurados na alma, puxando-nos pra baixo, prendendo-nos ao chão. O maior desses pesos, o principal deles, é a presunção. Aquele sentimento de que valemos muito mais do que imaginam os nossos pobres semelhantes. Aquilo que nos faz roubar no peso e enganar no troco quando nos vendemos no mercado das vaidades. É dessa presunção que derivam todos os outros excessos.
Já me faltam as forças. Preciso me livrar de certos projetos inalcançáveis. Sem abrir mão dos sonhos, é claro. Mas a alma leve, num claro paradoxo, me faz sonhar mais ao rés do chão. Sonhos, digamos assim, da mão pra boca. Plantar milho em março pra colher em junho.
Vou sugerir à minha médica que, além da fita métrica normal, tenha no consultório uma fita metafísica para medir a alma da clientela. A partir de certa medida o freguês será declarado um obeso anímico, sendo então obrigado a fazer um regime para perder também os pesos invisíveis. Aqueles que mais dificultam a nossa caminhada.
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