“O meu maior prazer é mudar de opinião.
Com esse prazer vou evitando a velhice.”
(Álvaro Moreira)
Tenho mais de 60 anos. Vim morar na cidade grande para ter atendimento médico e ficar perto de minha filha. Cada vez que penso em sair do apartamento lembro-me da casa que deixei, junto com a liberdade. E, logo, me vem à mente a música de Lupicínio Rodrigues: “Felicidade foi-se embora e a saudades no meu peito ainda mora e é por isso que eu gosto lá de fora, porque sei que falsidade não vigora...”
Sinto que existe preconceito quanto à idade e que as pessoas não conseguem ver a minha “idade mental” e perceber o talento que ainda tenho para ensinar. Sou cúmplice de mim mesmo para encarar momentos em que nada parece funcionar. Sei que tenho intermináveis distrações ao longo do dia, as quais não me impedem de realizar as tarefas, administrar o tempo, abordar as ideias para alcançar o equilíbrio. O poeta Nuno Júdice pergunta: “Mas o que fica/ nas palavras / daquilo // que se viveu?” Trago na bagagem o conhecimento. Sou capaz, experiente, maduro para resolver, ajudar e determinar qualquer situação. Basta que acreditem em mim. Não é porque sou aposentado com a aparência enrugada, que não posso defender meu espaço e meus sentimentos. Carmen S. Presotto demonstra, “Um dia.../ Um dia do futuro viveria sem mim/ Inflaria o infinito em busca de realidade/ Voaria de minha solidão/ Varreria a curva da idade/ Alisaria as pregas da vida/ Vestiria com tua pele as madrugadas.// Um dia do futuro fugiria de mim/ Rejuvenesceria a velhice de véspera e/ Só pararia ao me ouvir em tuas palavras./ Amor...” Hoje, mesmo sentindo na carne o peso que carrego da sociedade e de alguns “amigos”, sou feliz. Porque tenho a família para amar e pela qual sou amado – considero a minha alegria, o meu raio de sol. E as netas, então? Brincamos de teatro e fazemos leituras em conjunto. Elas conseguem me ver por dentro, o que me leva a não desistir de existir. A vida ganha um toque de felicidade, suavidade e esperança. O que conta é a alma.
As pessoas precisam aprender a amar para respeitar a curva da idade. Nós, idosos, fazemos parte da “memória cultural” e sem ela não haveria histórias para contar. Com certeza, alguns desejos custam caro, outros nos emocionam de tão singelos.
“... Lindos sonhos de amor, ternura e saudades. / Igual aos mistérios que o vento sopra / Que hoje o meu velho coração silencia....” (Carlos Alberto Lima Coelho)
Ao vivenciar os constrangimentos, sofro. Custo a acreditar que ainda há pessoas que pensam que são melhores por serem mais jovens. Sempre me pergunto: por que elas tentam enganar os idosos? Não basta sentirmos a curva da idade todas as noites quando deitamos? Será que incomodamos tanto essas pessoas que elas não conseguem olhar para o lado? Será que merecemos ser tratados com indiferença? Essas perguntas queimam minha alma. Belvedere Bruno, reflete: “... Passo as mãos sob meus cabelos,... é o embranquecimento em si que me conduz ao estresse? //... O corpo que visualizo em minha lembrança, substituindo-o por este que vejo no espelho...”
E o que pode ser feito? Esta indagação é mais antiga do que eu, e está atrás da busca por um sentido interior, um caminho para a reflexão, para anunciar, indicar um novo olhar sobre as nossas dificuldades e carências que, assim, afastaria o preconceito e reconquistaria a dignidade, o amor e a alegria; zelaria por viver o amanhã e assim contribuiríamos para um mundo com mais vitalidade, inspirado no respeito.
Segundo Nizan Kabani: “Eu conquisto o universo com palavras. //... os verbos e os nomes,//... E crio uma língua nova.../ Ilumino a nova era / E detenho o tempo nos teus olhos, / Apagando a linha que separa / Este instante da passagem dos anos.”
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