(Foto da encenação de Equinócio, 1977, da galeria da Casa da Comédia Cearense)
José Alcides Pinto é um escritor completo, conhecedor dos enigmas que rondam a poesia, o romance e o conto. Decifra-os, fazendo a esfinge cair por terra. É feliz na sua realização teatral concentrada em “Equinócio”, publicada pela primeira vez em 1973 e levada ao palco do Teatro José de Alencar em 1977, pela Comédia Cearense, sob a direção de Haroldo Serra. Em 1999 se fez uma nova edição que sustenta argumentos já discutidos não gastos pelo tempo, tais como o bem e o mal, o homem e o Diabo, e a condição humana... Estas contradições são necessárias para que a realidade da palavra não morra.
“Equinócio” é a única experiência teatral de JAP, se compõe de três atos, dotados de discursos curtos presos ao poder de síntese, estampando uma linguagem simples, fascinadora. Talvez seja isto que encerre tanta beleza e envolvimento. A peça poderia nos causar terror por nos mostrar o Diabo em ação, não muito distante das idealizações do cristianismo: bípede, chifrudo, contendo rabo, interesseiro, príncipe das trevas, tentador... Mas não é isto o que acontece: o Diabo nos encanta com suas atitudes, mais sagradas que profanas. Em “Equinócio” não se enfatiza o terror, que é uma das características da ficção de JAP, e sim o jogo de interesses que são comuns, ou se fazem comuns.
O Diabo não surgiu por acaso na obra de JAP; sua ficção tem tradição demoníaca. “Equinócio” reitera esta tradição e nos revela novas facetas do demônio, sejam elas movidas pelos interesses, ou pela bondade natural expressa nos seus gestos. Lola provoca desafetos no elenco de “Equinócio”. Ela precisa sair de cena, para que se estabeleça a sonhada harmonia. É neste contexto de desordem que o Diabo se manifesta encarando a todos, desvelando as virtudes e as maldades de cada um. Sabe que Joaquim precisa de sucesso nos negócios, e que Armanda pretende ir embora. Por isso propõe uma troca. Massilon e Armanda se oferecem, o Diabo os rejeita porque são como as crianças. Escolhe Lola que só tem causado danos. Joaquim, seu esposo, admite a permuta sem remorsos, pois está ciente da garantia, do sucesso, do poder, e da riqueza que virá aos seus domínios.
Com a partida involuntária de Lola para o Inferno, Armanda resolve ficar. Pois é ela quem invoca o demônio, e intensifica as relações entre ele e Joaquim. Merece destaque particular e especial a presença de Armanda no teatro de JAP, mulher determinada, dotada de autoridade natural e sobrenatural. Socializa o demônio, ensina-o o ABC, e a contar. Chama-o a qualquer hora, e ele a atende. Esta personagem é matriarcada tanto quanto Loló e Maria Hermínia, personagens de “O Dragão” (1987) e de “Maria Hermínia, vida e morte agoniada” (1988). A ficção de JAP nos apresenta uma galeria de personagens femininas emancipadas, símbolos de um novo tempo. Elas estão em toda parte, convivendo com as contradições sociais, sem manterem conivências, porque são mulheres insubmissas...
“Equinócio” supervaloriza o poeta na figura de Massilon, contrariando os princípios defendidos por Platão em sua “República”, onde o poeta não encontra um lugar para repousar a cabeça. No teatro de JAP, Massilon torna-se prefeito da cidade, gestor dos bens... Este momento da ficção de JAP extingue o lamento dos poetas, antes excluídos e vítimas da negação platônica... “Equinócio” é a afirmação da utilidade e da significação da atividade do poeta na sociedade.
Na cidade que traz o nome de “Equinócio” análogo ao título da peça, se faz um modelo de economia, justiça e educação... Não há fome, nem desemprego. Os juros são baixos, há escola para todos... Mas o povo se encontra insatisfeito, pois não tinham igreja, pároco, hospício e cemitério. “O povo não sabe o que quer”, pondera o Diabo resistente aos apelos dos citadinos, marcados pelas reminiscências dos seus ancestrais. Por tal motivo, não compreenderam a nova ideologia que a cidade modelo lhes apresentava. Conduziram-na ao caos e à destruição total.
O fogo destrói “Equinócio” como destruirá o universo, segundo o imaginário cristão. Considerando que o dilúvio universal exterminou o primeiro mundo. A água e o fogo pertencem à cultura do homem ocidental e a ficção de JAP, que é uma espécie de reiteração desta realidade. A peça de JAP manifesta um limite. Banal? Absurdo? Importa? Este limite qualifica a obra de arte, qualifica a ficção deste criador maldito, onde o sobrenatural subverte o real revelando o gênero fantástico, já expresso antes em sua literatura. “Equinócio” é o grande espetáculo de JAP. A leveza e a socialização norteiam as suas páginas, estabelecendo o predomínio do humanismo, que não impede a manifestação do terror, como uma realidade natural ou sobrenatural.
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