CONCERTO EM FERRO VIVO AO FIM DA TARDE
No Chifre da África, a fome é tão abundante,
que chega a suster em avidez de pássaro a força
de uma graça; canta no deserto de sol e areia rubra.
É tão forte a fome, a morte engatilhada que carrega,
os milhões de olhos secos, corpos quase vivos,
plácidos por insuficiência, flagelados, sílica saturada.
Nem sabemos a música brava ou doce desses nomes:
Sabemos-lhes, quando sim, ouvir-lhes as mortes
ensombradas em suas franjas de sangue e dor,
uma dor que se apaga devagar, devagar, devagar,
devagar como uma valsa espinhosa.
O que voa lá? Uma andorinha?
Não! É um osso sublimado de um menino cujo nome
esquecemos (se é que um dia o soubemos).
CARNEIROS DESOSSADOS NUMA TERRA DISTANTE
Os franco-atiradores, o fedor dos mortos, os escombros,
uma estátua antiga ao chão, uma placa que outrora
sinalizava uma ordem cotidiana, um frasco de
comprimidos, a asa de um xícara do século xv,
o véu de uma moça que atravessa a rua (seu rosto rápido),
a vida é breve e breve é o cessar-fogo
e o amor entre os supostos homens de bem.
Amém?
A Liga Árabe, a ONU, todos os partidos, os generais,
os mercenários, notícias falsas, notícias verdadeiras,
outra praça tomada, outro beco invadido,
outro bombardeio, outro boletim, Bashar al Assad
aparece barbeado e limpo como se fosse bodas de
qualquer data significativa de um tempo de paz
e carneiros desossados.
/////////