Todos os dias entrando em um ambiente inóspito. Inóspito? Já nem sei mais. Uns dizem que sim, outros que não. Só se sabe que ali dentro há muito sofrimento, e as pessoas evitam entrar. Outras desmaiam. O corpo tem cada artimanha... Do meu ponto de vista, passos, pra lá e pra cá. Esperando que alguém acorde, esperando que alguém ressuscite pra falar comigo. Do ponto de vista de outros, mais passos, e também paradas. Explicações, orientações, agulhadas, cortadas, alfinetadas. Mexa a mão esquerda. Agora mexa o dedo indicador da mão direita. Como é seu nome? Onde você mora? É casado? Quantos filhos tem? Clichês.
Mas do ponto de vista ainda daqueles terceiros, aqueles que ali permanecem, e muitas vezes chegam a morrer ali – literalmente! – uma orientação se destaca. Dona Rita, não coma o oxímetro! Isso não é pra senhora comer. Isso tá insosso, diz ela. É pra estar insosso mesmo, dona Rita. Pare de comer o oxímetro! Aproximo-me daquela criaturinha linda, pequenininha pela força inversa do tempo. Nascemos de fralda, à fralda voltaremos.
Chego mais perto e ela continua suas degustações do objeto insosso. Porém, a fome é tão grande que o insosso passa a ser algo bom. Dona Rita, a senhora não pode comer o oxímetro. A senhora me entende? Mas isso aqui tá insosso! Responde com tom de quem fala de algo óbvio. Afinal, quem é burro o bastante para não entender que o oxímetro realmente estava insosso?
Pois bem. Vamos jantar. O que a senhora quer? Ovo. Vamos comer então. Chomp, chomp, chomp, até enjoar. Satisfeita? Não. Agora quero feijão. Feijão e um pouco de arroz, porque um só presta com o outro. Então vamos comer mais um pouco. Sem problemas. Isso... Coma o que quiser.
O oxímetro vai e volta da boca. Vai e volta, sem cansar, embora o esforço estivesse sendo grande. Ela não cansou, mas o oxímetro sim, caindo de seu dedo. Sobrou o quê? Os dedos da estagiária ali perto. Estagiário é para essas coisas mesmo. Os dedos vão e voltam. Vão e voltam. O que a senhora está comendo tanto, dona Rita? Parece que esse está gostoso, né? Isso aqui é macarrão. Ah, bom. Então coma mais um pouco de macarrão. Está bom? Vamos tomar um pouco de água agora para fecharmos nosso jantar? Gulp, gulp, gulp.
Embora dona Rita já tivesse comido muito e bebido muita água, a fome continuava. Nossa! Que fome é essa? De viver talvez. Com aquela faixa verde presa ao punho, o que a impedia de jantar sossegada, a fome parecia só aumentar. Coisa chata que não me deixa viver!
Pontos azuis aparecem nessa hora, quebrando o agradável ambiente de comes e bebes criado por mim e dona Rita. Vamos tirar sangue dela, certo? Certo. Ou errado. Ou... Nada. Embora tanta incerteza povoasse minha cabeça, percebi que uma coisa era sempre certa: pra morte não tem jeito. Ainda bem.
/////