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sexta-feira, 29 de junho de 2012

A indesejada das gentes (Enéas Athanázio)

(Jair Francisco Hamms)

Mal se embalava o janeiro deste novo ano e já a Indesejada das Gentes, como diria o poeta, anunciou sua implacável presença. Logo pela manhã do dia 11, corria a triste notícia: falecera em Florianópolis o escritor e acadêmico Jair Francisco Hamms (1935/2012). Amável e simpático, aliou tais qualidades ao reconhecido talento para o conto e a crônica, registrando como raros outros o modo de ser dos ilhéus em seus leves e humorados textos. Numa enquête realizada por um jornal eu o apontei como um dos maiores cronistas daquela época, posição que não perdeu com o passar dos anos, mesmo tendo surgido tantos outros escritores. Nos jantares com escritores que promovíamos na época em que residi em Blumenau, ele foi um dos convidados mais destacados. Além de bem escrever, foi hábil narrador de casos envolvendo a gente de Florianópolis, da qual foi atento observador.

Bacharel dm Direito, advogado, professor universitário, empresário e publicitário, foi redator do jornal “O Estado” e secretário de Estado. Durante algum tempo foi colaborador do “Jornal de Santa Catarina.” Também colaborou com Aurélio Buarque de Hollanda no setor de regionalismos catarinenses. Pertenceu à Academia Catarinense de Letras, tendo pronunciado, em sua posse, um belo discurso em que recordava as agruras da família de parcos recursos que vai prosperando à custa de lutas e sacrifícios. É uma peça admirável e que bem mereceria a publicação.

Publicou os livros “Estórias de gentes e outras estórias” (crônicas – 1971), “O vendedor de maravilhas” (crônicas – 1973), “O detetive de Florianópolis” (crônicas – 1983), “A cabra azul” (crônicas – 1985), e “Santa Catarina, um caleidoscópio étnico” (ensaio – 1992). Participou de várias antologias, dentre elas “Antologia de autores catarinenses”, “Panorama do conto catarinense”, “Comunicação e expressão através do conto e crônica”, “Assim escrevem os catarinenses”, “Este humor catarina”, “Cambada de mentiroso” e “Numa ilha.” Publicou ainda o livro “Samba no Céu”, crônicas. É provável que muitos de seus escritos estejam espalhados nas páginas de jornais, nunca publicados em livros.

Em que pese sua importância como contista e, acima de tudo, como cronista, Jair Francisco Hamms mereceu exígua fortuna crítica e não conseguiu ultrapassar os limites da capital, ou pouco mais, com os quais parecia se conformar. Como tenho verificado in loco, em constantes viagens pelo Estado, não se tornou conhecido, o que constitui um prejuízo para nossas letras. Também desconheço a existência de algum estudo sistemático e global de sua obra. Não encontrei registro dele no “Dicionário Literário Brasileiro”, de Raimundo de Menezes (LTC Editora – Rio/S. Paulo – 2ª. ed., 1978) e a “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Sousa, dedica-lhe seis linhas incompletas (MEC – Rio – 1990, vol. 2, pág. 697). Quanto aos críticos locais, constatei que Celestino Sachet afirmou: “desde cedo revelou marcada vocação para a crônica”, anotando que “ao falar de sua ilha, com a linguagem simples e espontânea de suas gentes, Jair Francisco Hamms está descrevendo as gentes e as cidades de todos nós” (“Literatura Catarinense”, Florianópolis, Lunardelli, 1985, pág. 179). Já o gaúcho Antônio Hohlfeldt avança um pouco mais, esmiuçando o panorama dos contos-crônicas e anotando as reminiscências da infância e das viagens do escritor (Idem). Fico com a sensação de que os catarinenses, admirados com o sucesso que faziam seus livros, esqueceram de analisar sua obra.

Tenho para mim que o ponto alto da produção de Jair Francisco Hamms foi “O vendedor de maravilhas”, publicado em 1973. Nele se reúne um punhado de excelentes crônicas, retratando não apenas o viver ilhéu mas também fatos ocorridos nas andanças do autor. Como ele dizia, “especializou-se em coisas chatas”, o que lhe permitiu viajar pela América e pela Europa, sempre com as antenas ligadas na captação de termos cronicáveis a serem aproveitados em seus textos. “A cabra azul” também fez sucesso, ainda que inferior.

Em suma, Jair Francisco Hamms foi o escritor que pôde ser nas circunstâncias em que viveu e realizou sua obra com ardor e sinceridade. Segundo Gilberto Amado, num país onde a literatura é sempre uma atividade marginal do escritor, não se pode exigir dele o impossível. Creio que Jair poderia dizer com Manuel Bandeira: “Quando a Indesejada das Gentes chegar/ Encontrará lavrado o campo, a casa limpa./ A mesa posta./ Com cada coisa em seu lugar.”

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