(Escritor José de Alencar)
Este título pode parecer esdrúxulo, para leitores mais críticos. Por que Alencar, romancista por excelência? Por que não Rachel de Queiroz ou Moreira Campos; ela por se devotar também a composições ficcionais breves, além da crônica e do romance, e ele pela elaboração de dezenas ou centenas de narrativas curtas? É que o pai de Iracema é, ainda, o nome cearense mais conhecido no Brasil literário. Já o padim só entra (de gaiato) no título e no final.
E por que mais um artigo acerca do conto no Ceará, se publiquei recentemente duas obras que tratam exatamente dele: Panorama do Conto Cearense, 2005; e Contistas do Ceará: D’A Quinzena ao Caos Portátil, 2008? Neles, apresento a trajetória da ficção menor (como diria F. S. Nascimento) na terra de Juvenal Galeno, desde o final do século XIX até o início deste. Ora, a História não chegou ao fim. Todo dia revelam-se escritores. E foi isto o que quis dizer Pedro Salgueiro, um dos nomes fundamentais do novo conto brasileiro, no texto “O conto na terra do conto”, estampado no jornal O Povo de 13/6/2012 e em blogs. Para não deixar a peteca cair, quero tecer comentários em relação a certos aspectos (ou conceitos) ali emitidos.
Para começo de conversa, uma repetição (já quase enfadonha): A peça ficcional de menor amplitude como texto (seja a de formato tradicional, seja a de aparência mais ousada) tem encontrado bons cultivadores no Ceará, desde o século XIX, alcançando, com a geração Clã (iniciada em 1943), lugar de destaque no panorama da literatura nacional. Seus integrantes se tornaram conhecidos fora do estado, como Moreira Campos, Eduardo Campos, Fran Martins e Braga Montenegro. Nos anos 1970, se deu nova safra: Juarez Barroso (um dos mais aplaudidos e a quem dediquei estudos), Francisco Sobreira (que se radicou em Natal), Socorro Trindad (potiguar que morava em Fortaleza), Gilmar de Carvalho, etc. Com o surgimento da revista O Saco (não em razão dela), despontaram (eita verbo antigo!) diversos contistas: Airton Monte, Carlos Emílio, Nilto Maciel, Batista de Lima e mais meia dúzia. Três faleceram cedo: Paulo Veras (piauiense que vivia em Fortaleza), Yehudi Bezerra e Geraldo Markan. Nos anos 80, 90 e 2000 mostraram a cara mais algumas dezenas de contadores de história. Apesar disso, ainda cabe ao verso (que leigos chamam de poesia) o lugar de destaque no “mercado editorial”, em termos de quantidade de volumes. Ou seja, o conto não é o gênero literário mais cultivado no Ceará.
Além disso, a terra de Alencar não pode ser considerada “a terra do conto”, pois mais narradores do que aqui deve haver em Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul, Bahia e outras unidades federativas, não só em termos proporcionais (população). Não faz mal ao jornalista e ao escritor buscar informações estatísticas. Como se sabe, Minas Gerais foi e é o estado brasileiro onde mais se publicam ficções menos alongadas. Era e ainda é frequente a expressão “fulano de tal, contista mineiro”. É como dizer, no exterior: “sicrano é bom jogador de futebol, porque é brasileiro”. Os gaúchos não ficam para trás. Recentemente, recebi três antologias de narrativas de pequeno porte editadas na terra de Mário Quintana. Só gente nova. São mais de trezentos.
A lista dos que se votam à narrativa breve no Ceará não é tão longa assim. Por isso, tenho feito observações aos impressos de quase todos. Não chegam a constituir crítica, porque me falta o conhecimento técnico necessário. Examino títulos, linguagem, trama, tipos de personagem, ponto de vista, etc. Não tiro conclusões (deixo para o leitor o prazer de gostar ou o desprazer de não gostar das composições). Se são ótimos ou excelentes escritores, não o afirmo sempre. Os melhores nunca são a maioria. Em todos os níveis da vida. Obra singular não aparece todo ano. Por isso, deixo os adjetivos pomposos para os cronistas que não têm assunto a tratar e enchem o espaço dos jornais com eles.
Depois de meus dois ensaios, meia dúzia de candidatos a gênio apresentou peças ficcionais de pouca extensão em livros individuais ou em coletâneas e revistas, como demonstrou Salgueiro. Em relação a 16 (salvo engano) desses pequenos tomos, pude tecer considerações em crônicas, resenhas, artigos ou pequenas notas. Eis um arrolamento sucinto delas:
“Dércio Braúna e os mistérios do verbo”, resultado da fruição de Como um cão que sonha a noite só (Rio de Janeiro: 7Letras, 2010); “Os contos de Eugênio Leandro Costa”, prefácio para A Noite dos Manequins; “Joan Edesson: plantador de borboletas e outros seres”, a respeito de O plantador de borboletas (Fortaleza: Expressão Gráfica e Editora, 2011); “Fernando Siqueira Pinheiro, tatuador de palavras”, logo após desfrute de seus O tatuador de palavras e Ao lado do morto; “Nosso abril despedaçado”, no qual me ative a dois conjuntos de ficções: Eu conto nº 2 (Fortaleza, 1991, sem indicação de editora), de Mônica Serra Silveira, e Palavra por aí, à ventura (Fortaleza: LCR / Edições Poetaria, 2011), de Inez Figueredo; “Lassidão e euforia de leitor exigente”, sobre Contos farpados, de Jesus Irajacy Costa, e Pela moldura da janela & outras histórias, de Lourdinha Leite Barbosa; “Que Deus me proteja”, após usufruir Insônias, delírios, pesadelos, de Dimas Carvalho; “Oito livros e um relato de leituras”, no qual me refiro às coleções Louca uma ova (Fortaleza: Premius, 2010) e Lagartas-de-vidro (São Paulo: All Print Editora, 2011), de Raymundo Silveira; “No jardim de Beatriz”, após debruçar-me em riba de O jardim foi-se —Minicontos, microcontos, intervenções urbanas. (Fortaleza: Expressão Gráfica Editora, 2010), de Beatriz Alcântara; prefácio para Intrincada leveza (Campinas: Editora Multifoco, 2012), de Cissa de Oliveira, cearense que reside em Campinas, São Paulo; “Do Arroio Chuí a Trapiá”, no qual dou notícia de Veredas da caminhada, de Caio Porfírio Carneiro; “Sete visões de um mundo em (de)composição”, interpretação rápida de Metropolis (Fortaleza: La Barca, 2012), seleta de seis narradoras da nova geração, ao lado do quase veterano Jorge Pieiro; “Tércia Montenegro e o estado sólido do tempo”, análise do mais recente conjunto de peças concisas da escritora; “Seis momentos de prazer”, passeio pelo novo impresso de Jorge Pieiro, O outro dono do fim do mundo (Fortaleza: Conhecimento Editora, 2012).
E mais escrevera, fosse mais longa a lista; mais comentara, tivessem mais fecundidade nossos esforçados cultores do vernáculo; mais me consumira a ler, surgissem outros cem contistas nesta terra pródiga de humoristas, versejadores, cantadores, contadores, adoradores de Baco, Jesus e padre Cícero.
Fortaleza, 17 de junho de 2012.
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