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quarta-feira, 6 de junho de 2012

O ser humano e o mundo virtual (Emanuel Medeiros Vieira)

Para o amigo Zé MeMe
“Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se”. (Gabriel Garcia Márquez – que está completando 85 anos)

Um estudo da “Cyberpsychology, Behavior and Social Networking” descobriu que quanto mais tempo as pessoas passam no Facebook, mais elas acham que seus amigos são felizes e, em consequência, se sentem mais tristes. Não é a minha área. O que me interessa é a vida do ser humano nessa nova era digital. Mesmo me considerando um “velho datilógrafo”, creio que o desafio é sabe lidar com um outro mundo – virtual. Aproveitar as suas potencialidades, mas NÃO SE TORNAR ESCRAVO DELE. A internet acelera a comunicação? É claro. Mas aprofunda a mesma? Essa “necessidade” de estar sempre “compartilhado” (virtualmente, não na vida real) pode gerar uma ansiedade tremenda. Digo algo de novo? Não.

A psicóloga e pesquisadora da Universidade Católica de Brasília (UCB) Lívia Borges explica que embora traga muitos benefícios com a possibilidade de interesses e relações, a necessidade de estar sempre on-line também tem seus malefícios. “Estamos vivendo num período de superficialização das coisas. As pessoas estão mais superficiais, as relações estão mais superficiais e as relações seguem o mesmo caminho”, acredita. A pesquisadora lembra que hoje são comuns situações nas quais o corpo está presente, mas a pessoa, não. “Com um celular, a pessoa fica conectada e com a atenção longe dali”, reforça.

Nas minhas caminhadas diárias, vejo muita gente falando ao celular – de maneira compulsiva –, não prestando atenção nas árvores, no canto dos pássaros, nos seres humanos, em nada. E como é irritante escutar o ruído de celulares e pessoas berrando na rua, nos cinemas, nos restaurantes, “obrigando” os outros a ouvirem suas mensagens, muitas vezes absolutamente idiotizantes. É a cultura do ruído. Não, não é passadismo, não é uma proposta ao “regresso” da máquina de escrever, do carbono e do mimeógrafo. Mas uma ideia (romântica, eu sei) para que o homem não absolutize o “virtual”. O “conectado permanente” é insaciável, quer tudo, e há uma infinidade de possibilidades, e não se concentra mais, não aprofunda quase nada. É como o rapaz que disse para uma psicóloga amiga minha que havia beijado cem meninas numa balada. E ela respondeu: “quem beija cem, não beija nenhuma”. Não sou autor de auto-ajuda (“vade retro”...), mas pela vivência eu sei (sabemos) que uma conversa pessoal (olhos nos olhos) pode ser mais eficiente e humanizadora. William Powers escreveu: “A vida digital é emocionante e devemos aproveitá-la ainda mais, mas a conectividade que nos é imposta hoje é tão poderosa que chega a ser esmagadora. Todo mundo está se sentindo um pouco sobrecarregado, e é hora de mudarmos o curso das coisas”.

Matéria de um jornal da cidade (de Brasília), de autoria de Max Milliano Melo, tem o título: “Rompendo os grilhões da escravidão digital”(utilizei algo da mesma para a redação deste texto). Platão (469 a.C – 399 a.C), em um dos seus textos, narra o diálogo de um jovem conhecido como Fedro com o seu mestre e filósofo Sócrates. Juntos, os dois deixam as ruas de Atenas e seguem conversando e caminhando pelo campo. Sócrates admite que é a primeira vez que sai da cidade. Sua sociedade valorizava sobretudo a oralidade. Fedro via no campo uma possibilidade de sair desse “turbilhão para refletir melhor”. Platão, então, reflete sobre a necessidade de manutenção de momentos de isolamento do mundo da fala – hoje, da comunicação virtual, e como isso ajudaria a lidar melhor com ele. Gutenberg (1400–1468), mesmo sem saber, criou o maior dos instrumentos de introspecção: os livros. A tecnologia moderna busca a conectividade, a ligação constante, enquanto os livros representam uma viagem ao íntimo. Em um mundo tão virtual, os livros são um fundamental espaço interno fora da agitação dos computadores e celulares. Henry David Thoreau (1817–1862) decidiu seguir o caminho oposto da civilização norte-americana. Foi viver em um lugar onde tivesse que encarar apenas “os fatos essenciais da vida”. Escreveu obras nas quais critica a excessiva correria da vida moderna. É claro: um mundo não nega o outro. Mas qual está sendo absolutizado (o virtual ou o real). Falando nisso, como andam as relações humanas? Crescem a solidão e a depressão. Mas a vida é maior – sempre poderemos restaurar o espaço do humano – tão fragmentado e perdido hoje.

(Brasília, março de 2012)

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