(Honoré de Balzac)
Escrevendo em 1838 o que seria o cume de sua já célebre Comédia Humana, Balzac insere em “Esplendores e Misérias das Cortesãs”, ao falar das mulheres que se vendem, um curto e exato debuxo do que seria um crítico em ação naquele momento vivido na França, no efervescente período entre a República e a Restauração. Entorpecido na labuta, para quem tudo são palavras, palavras, palavras, o crítico é caracterizado, em síntese, por uma profunda despreocupação para com as fórmulas da arte.
Ouçamo-lo:
“[o crítico] leu tantas obras, viu tantas passarem, acostumou-se tanto às páginas escritas, passou por tantos desfechos, viu tantos dramas, fez tantos artigos sem dizer o que pensava, traindo tão frequentemente a causa da arte em favor de suas amizades e de suas inimizades que adquire repugnância por todas as coisas e continua assim mesmo a julgá-las [...]” etc.
Qualquer semelhança com o que vemos hoje não será mera coincidência. Esse crítico, captado e descrito pela argúcia balzaquiana não parece ser exceção em nossos dias, quando a crítica parece ter sucumbido ao que chamamos “dever de ofício”, ou seja, uma obrigação que cumprimos sem nenhum prazer e às vezes de má vontade, para não agredir os costumes vigentes numa época ateia em que o êxito é o supremo objetivo a ser alcançado a qualquer preço.
Tais sentenças se disseminam por toda a caudalosa obra de Balzac, que antevê a importância da crítica para o artista e para a cultura, especialmente quando a volúpia consumista excede a reflexão. Sem a crítica, a obra exibiria apenas uma palidez de grama seca, pois dela estaria ausente o atrito que resulta do confronto de inteligências capazes de extrair, de uma página, o sentido profundo e secreto das entrelinhas e de tudo o que, por astúcia ou cálculo, o autor dissimulou no texto entregue à curiosidade ou à usufruição do leitor em busca não apenas da satisfação, mas do conhecimento que vai além da superfície do texto.
No entanto, Balzac encarece a crítica como artigo de primeira necessidade à saúde da cultura. Mesmo sabendo que a vaidade do poeta o fará preferir o suplício ao julgamento de sua obra. Seria a crítica não uma atividade delegada a terceiros – aos críticos –, mas parte inerente do processo criativo do escritor. Uma crítica não imparcial e política, pois praticada – parcialmente, isto é, apaixonadamente – pelo autor em beneficio de sua própria criação.
Refletindo sobre a lei que rege o escritor, visto como igual e, mesmo, superior ao estadista, confessa Balzac que o tempo da imparcialidade ainda não chegou para ele, que, no pleno exercício de sua condição de homem de letras, declara uma dedicação absoluta a princípios, como alguém que na moral e na política deve ter opiniões imutáveis, inerentes a um professor de homens que não precisam de mestres para duvidar. Em síntese, seria a imparcialidade no crítico uma forma de conivência ou capitulação diante do dever de ir mais além daquele ponto no qual o autor, por cansaço, incompetência ou satisfação, decidiu parar para escrever a grande, a baudelairiana, a inominável palavra FIM.
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