Germinam cintilações no rastro das palavras
mas os fios que estendem a conversação
enredam-se também na obscura trama do íntimo
Cisnegro e motoqueiro no mar glacial da fábula
A perfeição que habita o tumulto da bailarina
a dor na imediatez árida das pupilas abertas
A perna do motoqueiro apenas pedra à flor
do asfalto furando a desabitada máscara
habitual daqueles que irradiam calma madura
A perna da bailarina circunda um centro vivo
o voo e a aragem de asas no imóvel equilíbrio
a perna do motoqueiro na inocência absoluta
Equilíbrio frouxo na pele do imprevisível
a perna do motoqueiro traçando ziguezagues
arrasta o dorso sensual do asfalto impenetrável
O caminho não começa no primeiro passo
A extensão deseja a chuva terra adentro
arada pelos delicados dedos de nosso não
Quando a colina baila na jaqueta do motoqueiro
vamos desgovernados no inverno da alma
presos ao volante que se evola no horizonte
Nesse curso havia um cozinheiro um amante o vidro
O traço deforma a superfície por que passa
pisa as cores das folhas cansadas pela estrada
A estrada acumula palavras, pássaros ao céu
palavras que, aéreas, aumentam o desejo de sonho
sonho que, fogo, atinge o cerne duro do longo asfalto
Uma cidade é feita de suas futuras ruínas
Milhares de línguas levantam-na desde o horizonte
A paisagem e seus membros são dilacerados
Sobre o relógio do motoqueiro a bailarina
Rodopia o primeiro Estado de nossos fantasmas
Telas se lançam de cada bolso desavisado
E mal sobra uma coisa de passagem
que me traz o uivo e as ágeis curvas
da menina que já foi bailarina
Do motoqueiro que prolonga o uivo
nas linhas retas da obscuridade
nos confins de uma janela fechada
Não sobra nada mais
Além de algo assim
Coisa vaga no ar
Em explosão
As pernas
Rodas
Frase
no ar
falha
(outubro 2011 – abril 2012)
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