Um dia eu estava assistindo a um programa sobre vinhos e me impressionei
com um vinicultor grego, com ares de sacerdote pagão, afirmando que as cepas que
cultivava nas encostas de um monte iam buscar os nutrientes no fundo da terra. Beber
aquele vinho, portanto, era entrar em comunhão com a terra, levando para dentro
do corpo o que a terra tem de mais puro, mais profundo e mais sagrado.
Desde então, toda vez que bebo vinho, tenho a consciência de que estou
incorporando a terra do país em que foi produzido. O que significa que, com o
tempo, meu corpo passou a carregar um pouco da terra de muitos países do mundo.
França, Itália, Espanha, Portugal, África do Sul, Argentina, Uruguai, Chile...
Isto sem contar os territórios gaúchos e franciscanos. Estou até pensando em
perder de vez o preconceito e provar alguma marca da Califórnia.
Sei que algum amigo maldoso deve estar insinuando que a maior parte do
meu corpo é ocupada pelas terras da Escócia. Outros, mais maldosos, dirão que
sou ocupado por terras mais próximas, a exemplo do brejo paraibano. Lembrarão
também dos territórios anônimos do malte e do lúpulo levados ao meu interior
pelos copos generosos do chope e da cerveja.
Vamos deixar de lado as más línguas, pois estamos restritos ao âmbito
dos vinhos. E não me tomem por um desses eruditos conhecedores das castas e
processos, que conseguem identificar numa simples taça de vinho os aromas e
sabores mais exóticos. Nem me confundam com esses chatos que não conseguem
beber um vinho sem deitar falação sobre a qualidade da uva, o ano da safra, as
excelências da marca.
Sou apenas um cara incapaz de acumular garrafas numa adega, que adora
chegar em casa na sexta-feira com uma ou duas garrafas de vinho para beber com
a mulher e quem mais quiser. E a cada fim de semana anexar novos territórios ao
vasto mundo do meu corpo.
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