Trêmula
e cambaleante, levantou-se com o prato de quibe de forno seguro pelas duas
mãos, o que a impedia de evitar que a manta xadrez arrastasse no chão, por mais
que tentasse segurá-la com os ombros levantados até o pescoço. Já livre do
quibe, protegeu-se com o cachecol e petrificou-se com a lufada fria que
assaltou a cozinha quando abriu a porta para o pequeno quintal lajeado.
Precisou esperar que a vista se acostumasse ao escuro para notar o corpo
estendido sobre o limo das lajotas no ângulo esquerdo do quintal. Seria um
homem, se não fossem as grandes asas abertas ensopadas da chuva que caiu
durante toda a tarde. Tremeu e cambaleou até a gaveta da petisqueira de onde
tirou uma vela e uma caixa de fósforos. Acendeu a vela e voltou para o quintal.
Debruçou-se sobre o corpo alado e a mão trêmula deixou cair um pingo de cera
sobre o peito do estranho visitante. Dois olhos cinzentos recém abertos
pousaram no pulso iluminado pela vela. Ali estava tatuada uma minúscula
borboleta. Você de novo, meu amor? disse
o alado, é a segunda vez que você me acorda com um pingo de cera. E fez menção
de segurá-la pelo braço. Mas ela fugiu arrastando a manta pelas lajotas
molhadas até trancar-se na cozinha. E ali ficou, trêmula, ouvindo os passos cambaleantes
que alcançaram a porta. E mais tremeu quando, depois das pancadas na porta,
ouviu uma voz estranha, estrangeira, gritar: Psiché... Psiché...
(Escrito em parceria com Marina e Carolina, em
Moema, cidade de São Paulo)
www.blog-do rona.blogspot.com
www.memoriadofogo.blogspot.com