I
Do fundo do sepulcro os ossos falam,
Com seu silêncio de osso, eles falam,
O verbo é a imagem das suas tibiezas:
Eis o pó a que tudo se resume,
O pó, a essência última das coisas,
A substância alquímica dos deuses,
O segredo visível mas não visto.
E falam mais da vida que da morte:
Eis os ossos de reis e de rainhas,
Os ossos de grão-duques e de servos,
Os ossos dos primeiros e dos últimos...
São ossos iguais a ossos, ossos são
Não mais que ossos-irmãos: foram cozidos
De um mesmo barro e pelas mesmas mãos.
A eloqüência dos ossos, silenciosa,
Traz muito mais verdades que provérbios
E salmos. Sábia é a voz dos ossos mudos.
O verbo é a imagem das suas tibiezas,
E a imagem pronuncia o branco ósseo.
Com seu silêncio de osso, eles falam,
E contam-nos segredos em parábolas:
“Quando ossos fecundam outros ossos,
Quando ossos enterram outros ossos
E não vêem o seu sangue em outros ossos.
Quando ossos comem carne e deixam ossos
A outros ossos. Quando ossos matam ossos,
É tempo de cegar a carne, e ouvir
O silêncio dos vossos próprios ossos.”
(Do livro A
cruz e a forca, Book Editora, 2007)
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