Poucos
escritores exerceram sobre alguns de minha geração maior influência que
Bertrand Russel, o grande radical distinguido em 1950 com o Prêmio Nobel de
Literatura, pregador do não-conformismo, condenado à prisão aos 89 anos por
incitação à resistência passiva, na luta contra o armamento nuclear; por isso
mesmo, popularíssimo entre os jovens intelectualizados ou de alguma forma
ligados à cultura underground e alternativa do mundo inteiro.
Uma
referência e um guru para muitos, via o homem como parte da natureza e não
adversário dela, pois defendia a idéia de que os fenômenos mentais parecem
estar intimamente vinculados a uma estrutura mental. Percebeu, porém, que se os
indivíduos não são inteligentes, hão de se contentar em acreditar naquilo que
lhes disseram e possivelmente praticarão o mal, apesar da mais genuína
benevolência. Acreditava que o conhecimento é ingrediente de uma vida plena.
Não era mais jovem e amava a vida.
Adversário
das ortodoxias, ele encarnava o grande
radical capaz de imaginar uma sociedade onde os homens viveriam livremente, sem
ódio, sem inveja, sem cobiça, somente passíveis de extinção se não fossem
estimulados à criação. Como opositor das
esperanças irracionais, pregava as virtudes do senso comum, ao garantir-nos que
nunca saberemos o suficiente para ter certeza de que a nossa verdade é melhor
do que a do outro.
Querido
da mídia, naqueles pulsantes e multifacetados anos sessenta, rivalizava em
popularidade com o próprio Sartre. Ambos sabiam o que dizer a jovens rebeldes
predispostos a duvidar das certezas e, sobretudo, a não confiar inteiramente em
autoridade alguma. Porém, segundo Anders Osterling em seu discurso de recepção
por ocasião da entrega do Prêmio Nobel, Bertrand Russel era um desses
pensadores que não se deixam paralisar pela hesitação.
Era
emocionante para todos nós acompanhar através dos noticiários sua atuação
conflitante com o sistema, sua defesa do direito dos jovens a um mundo mais
justo no qual a cultura e a livre concorrência das idéias nos levariam a
alcançar a verdade e a paz. Ele observou que o desejo de adquirir conhecimento
é natural nos jovens e que o estilo resulta da eficácia.
Bertrand
Russel considerava que a oposição é uma das missões naturais e urgentes de todos
aqueles que se empenham em produzir conhecimento e, ao dizê-lo, tocava
particularmente aos jovens que não se contentavam com o que a realidade lhes
oferecia nem se resignavam às perspectivas de um futuro sombrio e incongruente.
E nos ensinou que a anarquia significa liberdade para os fortes e escravidão
para os fracos, reforçando Thoreau, para quem o melhor governo é aquele que
governa menos, ou seja, que não se intromete na vida dos cidadãos.
Já
octogenário, em plena guerra do Vietnã, ele admoestava os velhos que se sentem
oprimidos pelo medo da morte. Entre os jovens, esse sentimento lhe parecia
justificado, pois temendo com justa razão serem mortos no front, teriam o
direito de se amargurarem, ao pensamento de frustração, diante do que a vida
pode oferecer de melhor. “Mas – escreveu –, no homem velho, que conheceu as
alegrias e os sofrimentos humanos e realizou sua obra de acordo com as próprias
possibilidades, o medo da morte parece um tanto abjeto e ignóbil” [in “A arte de Envelhecer”].
Lia-o
com a avidez dos jovens que se entregam a uma experiência nova. “Caminhos para a liberdade”, “Educação e vida perfeita”, “A conquista da felicidade”, “Liberdade e organização”, “O elogio do lazer”, “O poder”, “História da filosofia ocidental”, “A autoridade e o indivíduo”, “Ensaios
impopulares”, “Ciência e sociedade”
e “Ensaios céticos”, meu predileto,
empilhavam-se na cabeceira de minha cama quando não os emprestava aos meus
amigos e àquelas pessoas que eu queria distinguir ou impressionar,
proporcionando-lhes o desfrute de um autor que falava às angústias que oprimiam
o meu coração adolescente e o fazia bater descompassadamente.
Havia
ainda em Bertrand Russell algo que me encantava e que o tornava ainda mais
especial para mim. O nome de sua família fora glorificado por Shakespeare, pois
os Russell participaram da luta pelo trono da Inglaterra, ao tempo da disputa
entre as famílias Tudor e Plantageneta.
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