“Escrever é partilhar. Partilhar ideias e impressões.” (Jorge Xerxes)
A carta é um meio de expor ideias em palavras através da emoção. É a
comunicação escrita no tom da voz, com sentimento que se forma e se
manifesta através do fato, o acontecimento que provocou. Vera Casanova
questiona, “... O que move esse escrever? /O silêncio das coisas, / Os
objetos a nos dizerem seus risos e dores / O sopro que anima as veias das
palavras. / Que posso eu dizer das coisas que faço?”
O estilo no escrever cartas é produto da cultura, ou seja, do desenvolvimento
da consciência em que naturalmente se forma em prosa. A palavra reflete na
frase a emoção, o pensamento define e busca certo dizer, mesmo que de forma
sistematicamente desordenada. Cartas são pequenos parágrafos confidenciais,
como encontramos no trecho da carta de Otávio Paz a Gerardo Mello Mourão —
1999: “Sua
poesia não só me revelou uma paisagem humana e verbal, como também me levou ao
desejo de conhecer sua prosa...”, e de Otávio Paz a Emir Rodriguez Monegal
(19/04/1967), “Caro Emir: Respondo a sua última carta... Não, não posso
mandar-lhe nada para o número sobre erotismo. Desde vários anos penso escrever
um pequeno livro (ou seja: um ensaio longo) sobre o amor (o que não é para mim
o mesmo que erotismo)...”
Escrever cartas é atitude pessoal; desafio e consolo para muitos. Respondê-las
é buscar o próprio caminho como necessidade de se realizar. Sentir prazer ao
optar pelo papel como intermediário. Como na carta de 5 de julho de 1914, de
Sá Carneiro, “Admirável o que hoje me chegou do Álvaro de Campos. Não me
entusiasma tanto como a primeira ode... A ode de hoje é admirável, portanto,
belíssima — ...”
Cartas são escritas em vários tons: alegres, desesperadas, pedintes, amorosos,
entre tantos, no sentido de que a carta é instrumento para expor os
sentimentos. Ela é marcada pela espontaneidade refletida como harmonia natural
da alma que (de)libera a mente através das palavras; assim, na carta recebida
por Lya Luft, de seu amado, em 1991, “Se eu te ajudar a crescer / isso
tornará minha vida importante / e lhe dará sentido enfim.”
A troca de cartas com alguém é atitude íntima e por vezes ousada. Através dela
obtemos o prazer de estar a par dos assuntos pessoais, como em Verônica
Aroucha, “... meu papel está em branco/esperando a tua carta de
amor./Grande, imensa, monstruosa. /... A folha ficará em branco / estarei aqui
no porto – sentada esperando – .../ Uma carta...”
As cartas têm passado, mas continuam vigorando no presente. De fato, apesar da
tecnologia, continuam com o mesmo valor. Em geral, atendem aos anseios e
desejos de cada um. É questão inevitável, quando se conhece a importância de
receber uma carta. Mário Faustino sobre o seu único livro publicado em vida, O
Homem e sua Hora, em carta para Benedito Nunes, adverte: “Se publicares,
cuidadíssimo com a pontuação. Além das iniciais maiúsculas dos primeiros versos
e dos problemas de pontuação, esta primeira versão é diferente daquela
publicada no livro.”
Cada carta produz ensejos, segundo Pedro Du Bois, “Escrevo o que não falo /
escrevo o que não digo / escrevo o que não mostro / escrevo o que não aparece
// escrevo sobre meus segredos / minhas lutas / minhas limitações / meus
cantos...”. Não há o que não se possa escrever numa carta, desde que seja a
representação de nós mesmos, como em Jorge Elias Neto, no poema Carta de um
jovem ao poeta Nietzsche.
Reconheço que escrever cartas hoje é atividade pouco incentivada, mas não
descartada, até porque ela dá espaço para a expressão autêntica, movida pelo
desejo de preencher os próprios buracos afetivos. Portanto, a
resistência em escrever cartas, nos padrões atuais, se dá pela falta de tempo e
pelo mundo virtual, que a tenta substituir em redes sociais e através de
mensagens eletrônicas. Horácio Costa disse, “... Escrevo e o rio em mim se
banha”.
Não há
dúvidas de que a carta sinaliza o modo de vida convencional que contribui,
fortalece uma relação e, ao mesmo tempo, propõe buscar essa transformação em
nós mesmos, como em Carlos Nejar, “Aventura humana: a esperança //... A
chegada de uma carta...”
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