Para
Ronaldo Cagiano
...
A tarde se despedia, lentamente e sem a bênção do sol. O céu estava encoberto
por nuvens bojudas, e estas como se abraçadas com o manto grosso da melancolia.
Em volta da copa das árvores, o prenúncio pior: a revoada de pássaros —
canoros, mas quietos; esquisitamente de bicos mudos.
Em
fins de tardes assim, sento-me na varanda e deixo as horas me levarem; haurindo
o vento Aracati, em desespero de degredado. Ou de poeta errante, sem inspiração,
sem rima, tão somente com o bafejo da tristeza a me puxar para o fundo de uma
rede funda.
Nesses
momentos, passo a catar as lembranças da província, agarrando-me a elas como um
náufrago, em meio àquelas tempestades que querem pôr fim a tudo, e a todos: os
banhos de bica, o mergulho da ponte, os remansos da Pedra da Luzia, as
histórias medonhas no alpendre da Fazenda Lagoa da Pedra (sob a batuta do Vovô
Sebastião), as partidas de futebol nas areias do rio Acaraú, com temor dos
raios e trovões a cortar a copa das oiticicas.
Com
pouco, a hora do Ângelus. Uma ave-maria no rádio do vizinho, e, tristonho como
quê, fechei os olhos para a rotina da vida. E fui, tangido para outras
paragens: lugares em que morei, recantos em que vivi, mas com os quais, percebo
agora, pouco sonhei. Será que só definitivamente nos ligamos a um canto quando
passarmos a sonhar com esse recanto? Não sei, confesso que não sei. Também, do
jeito conforme me encontrava, não seria eu o cronista mais adequado de quem se
recolheria respostas, caro leitor.
Quando,
mero e banal espectador, presenciei o cair rotundo da noite, com sua coroa de
espectros e sua legião de silenciosos visitantes, vi que ela cobraria de mim
todas as dívidas antigas.
Pesaroso
e antecipadamente condenado, afrouxei o cinto da calça, abri os botões da
blusa, e ofertei corpo e espírito para o látego que se me anunciava.
Depressa,
elevei os olhos ao céu, na tentativa de presenciar os carros de fogo a vararem
o infinito, ou as constelações a luzirem no tapete azul. Ou, pelo menos, uma
legião de pirilampos a salpicarem o manto celestial com o drapejo singular de
suas luzes.
Contudo,
quando corri o zênite, e não flagrei carros de fogo, nem estrelas, nem sequer
pirilampos... cuidei, depressa, de serenar o afoito espírito:
—
A lua, então, por si só me bastará!
Ergui-me
com uma certa dificuldade (o banzo acabrunha-nos os músculos), enchi os pulmões
com o ar pesado da noite profunda, e fui para o jardim. Olhei para o firmamento
— norte, sul, leste, oeste —, nenhum sinal da dita-cuja.
Depressa,
fechei a porta da casa, apaguei as luzes e meti-me embaixo dos lençóis.
E,
hoje eu, aqui neste canto de página de jornal, fecho, também, a porta da
crônica, apago as luzes da poesia e remeto para o editor este arremedo de
texto.
—
Tenha a santa paciência! Uma noite viúva da Lua!?... Assim não dá, assim não
dá.
...
Bom domingo.
clauderarcanjo@gmail.com
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