(Quadro de Tácito Ibiapina)
A luz está para a pintura, como a música
está para a poesia. Melômano que sou, faço esta reflexão ao contemplar (repito,
contemplar) as peças mais recentes da coleção de Tácito Ibiapina, com cuja
exposição em Brasília a Cavalier Galeria
de Arte veio nos brindar a todos os amantes da Beleza, quer sejam artistas
ou não.
A arte de Ibiapina é, antes de tudo,
poesia. Seu jogo de cores e tintas nada mais é do que uma simples fruição
cotidiana das ars poética, pois sua
alma está impregnada da poiesis que
tem faltado a tantos cultores do verso escrito, em tantos poemas impressos.
O universo criacional de Tácito
Ibiapina compõe-se de poucos, mas ricos signos e logos que, consciente ou inconscientemente, são levados ao infinito
por meio de uma técnica despojada, infensa a supérfluos matizes. Ibiapina sabe
desenhar, e esse domínio alia-se, com leveza de estilo, ao seu talento no
manejo dos materiais e à percuciente essencialidade que lhe escorre da alma, ao
recompor o universo de sua região, dentro de uma visão às vezes permeada pelas
vívidas nuanças do ser no seu próprio exílio.
Da técnica, alinda poder-se-ia
dizer: óleo sobre tela. Todavia, a utilização de espátulas em vez de pincéis dá
uma riqueza particular à obra desse piauiense de Picos radicado no Planalto
Central. Ibiapina, com certa singeleza artesanal, trabalha o concreto e o
subjetivo como se fosse também escultor, tamanha a capacidade relacional com
que empreende sua viagem memorialística no exercício da criação. Seus quadros,
muitas vezes, transcendem o objeto, para se tornarem, diante de nós,
espectadores, retratos vivos e pulsantes de uma realidade telúrica específica.
Quem de nós não traz dentro de si, intactos ou, de certa forma, já esmaecidos,
as reminiscências e os atavismos pela vida simples do interior?
Não há retrato de figura humana,
embora sua presença esteja em todo canto, em cada utensílio. Surpreende-se
nesta obra um mosaico de objetos retratados os mais diversos. Tulhas, pelos
cantos — silenciosamente. Latas, tachos e bacias, pelo chão — cheios de
preguiça. Mesas toscas, paus e tocos. Vasos de flores; girassóis refluindo da
simplicidade do ambiente em direção à luz. Alpendres, salas e cozinhas; interiores
e exteriores de casebres rústicos, universais, sob a insistência de uma toalha
ora vermelha, ora azul, ora amarela. Quintais, cisternas e varandas; portas,
muros, janelas e cancelas trazidos da lembrança do Artista para a realidade e
deslumbramento do nosso olhar.
*
João Carlos Taveira é poeta e crítico literário. Tem vários livros publicados.
/////