Disse Borges que o romance, gênero literário
relativamente recente, não sobreviverá ao conto, forma perfeita e tradicional
de narrativa já conhecida e admirada pelos povos da antiguidade. Creio, porém,
que Borges se equivoca ao insistir numa discussão ociosa e num certo sentido
despropositada, pois, mais que o gênero é a forma – inclusive na apresentação
dos conteúdos – que surpreende e cativa.
O romance, como gênero, satisfaz plenamente
àqueles leitores que desejam ter tudo em um único volume, como ocorre na obra
de Thomas Mann, um autor, como Proust, do tipo enciclopédico. Seus livros, por
isso mesmo, constituem bibliotecas portáteis, pela pluralidade de conhecimento
que proporcionam ao leitor.
É verdade que Thomas Mann elevou o romance –
por excelência um gênero burguês – a culminâncias e profundidades que em
qualquer época serão difíceis ultrapassar e superar. Neste sentido, terá
decretado a morte do romance ou pelo menos terá tornado em mera retórica toda a
produção romanesca posterior ao seu exercício de criação.
Alguns autores terão se esforçado para inová-lo,
a exemplo do que ocorreu com a nouvelle
vague francesa, mas, como gênero, o romance, assim como o conto, não admite
inovações. Um romance que contenha elementos estranhos à sua forma original,
transforma-se automaticamente noutra coisa e está fadado ao fracasso. A obra de
Robbe-Grillet e Nathalie Serraute exprime
essa verdade elementar.
Subsidiado por uma vasta e profunda cultura
humanística e filosófica, cada vez mais onerosa num mundo que valoriza a
informação em detrimento do conhecimento, a arte digestiva em lugar duma arte
que incita ao pensamento, Thomas Mann está presentemente, como bem o disse
Marguerite Yourcenar, um pouco fora de moda. Mas, em qualquer época, sempre há
de ser lido e valorizado por aqueles leitores que apreciam as obras
pacientemente elaboradas e recusam o picadinho anódino e pasteurizado,
produzido em grande escala pela indústria cultural.
É um clássico e, como tal, pode ser lido e
apreciado em qualquer época, sob qualquer tirania do gosto comum, pois contém
sob uma forma correta e satisfatória o recheio metafísico que lhe assegura uma
permanente atualidade. Suas longas e às vezes monótonas digressões sobre a arte
filosófica, especialmente abundantes em suas obras mais importantes, entre as
quais “A Montanha Mágica” e “Doutor Fausto”, desencorajam apenas o
leitor superficial que se compraz em “matar o tempo”, usando a leitura como uma
arma mortífera.