(Jorge Amado)
Pensei em começar
esta resenha com: acabei de ler Hora da Guerra, mas não ficaria bem
começar algo com o verbo acabar, sobretudo esse primor que é o livro de
crônicas escritas entre 1942 e 1945, publicadas na coluna de mesmo nome no
jornal baiano O imparcial, escrito pelo itabunense Jorge Amado. (Vale
ressaltar que existem algumas divergências sobre o local de nascimento do
escritor. Alguns biógrafos afirmam que ele nasceu na fazenda Auricídia, à época
município de Ilhéus, mais tarde suas terras ficariam para o município de
Itajuípe. O fato é que acabou sendo registrado no povoado de Ferradas,
pertencente a Itabuna. O que importa é que é um dos mais famosos e traduzidos escritores
brasileiros de todos os tempos). E nessas crônicas demonstra toda a sua paixão
em defesa da democracia e indignação com o fascismo.
Jorge Amado, no livro, conclama todos à luta
contra a quinta-coluna, ao nazifascismo e muniquismo. Não importam as armas,
desde que lutem, e ressalta a importância dos escritores e artistas nessa luta,
afirmando que a grande maioria dos escritores brasileiros compreendeu sua
missão: “Estão de armas em punho e já hoje há uma consciência de que a pena ou
a máquina de escrever são armas tão mortais e necessárias quanto o fuzil e a
metralhadora”. Entretanto, indigna-se com a Academia Brasileira de Letras, pois
o “... inquérito realizado por uma revista carioca entre os membros da fatal
Academia Brasileira de Letras revela que os acadêmicos nacionais não tomam
perfeito conhecimento da guerra e do que ela representa”. E segue mais adiante
sobre um acadêmico: “... não sei tampouco se algumas das condecorações
múltiplas e variadas que adoram o balofo peito do acadêmico Gustavo Barroso
provêm da Alemanha nazista”.
A necessidade de
engajamento na luta antifascista era primordial, sobretudo, contra a ação da
quinta-coluna, para com isso evitar que os quislings (expressão derivada
do militar e ex-ministro-presidente da Noruega, Viudkum Abraham Lauritiz
Jonsson Quisling, colaborador de Hitler e traidor de sua pátria) entregassem
nosso país como fizeram na França Pierre Laval e Pétain. Portanto, as crônicas
do escritor baiano combatiam apaixonadamente o nazifascismo e seus diversos tentáculos
representados pela quinta-coluna.
Vale lembrar que
parcela significativa dos governos latinos era de grandes simpatizantes do
fascismo. Na Argentina, Ramon Castillo
defendia a “neutralidade” do país, uma política pró-eixo; o golpista de 43, Pedro
Pablo Ramirez continuou a mesma política, seguido por Farrell e posteriormente
por Juan Perón – que vontade tenho de fugir da escrita culta e escrever esses
nomes próprios com letras minúsculas –; no Paraguai, Morínigo prendia todos que
combatiam o nazifasismo. Não era diferente na Bolívia, com Peñarando, com
discurso na política externa de apoio às Nações Unidas, mas internamente
reprimia líderes e intelectuais democratas. Posteriormente o golpe perpetrado
por Gualberto Villarroel López, que, para a sorte dos democratas, durante seu
governo golpista não conseguiu apoio nem externo nem interno, sendo assim
praticamente obrigado a convocar eleições.
No Brasil não era
muito diferente. O governo nutria inicialmente simpatia pelo Eixo, e os
“nossos” quislings, oportunistas e traidores de plantão, tendo como
líder maior Plínio Salgado, e seus vassalos como Gustavo Barroso e o pequeno
Carpeaux, como bem o chamava Jorge Amado. Otto Maria Carpeaux chegou ao
desplante de pleitear censura para traduções e livros publicados por editoras
brasileiras, e através de nota divulgada por Vítor Espírito Santo, houve
mobilização dos escritores brasileiros contra tal possibilidade de censura.
O que nos
surpreende é a quinta-coluna brasileira. Os atuais novos nazistas não perceberam
o que Hitler fez nos países ocupados e até mesmo nos aliados. Basta observar o
tratamento que a Alemanha deu à Hungria, país que lutou ao lado de Hitler, e ao
ser ocupado não teve tratamento diferente dos que combateram o fascismo, como
Grécia, Polônia, Bélgica. Hoje vejo grupos novos nazistas, cabeças raspadas,
tatuagens de suásticas e ódio ao próprio povo. Grupo ignóbil que não tem
conhecimento do que o nazismo guardava para nós brasileiros, praticamente todos
mestiços. Eles próprios, os novos nazistas, jovens com claras características
físicas latinas, pensando serem brancos arianos. Seriam todos jogados em campos
de concentração, caso o nazismo tivesse prosperado. Não têm conhecimento das
leis sancionadas no VII congresso de Nuremberg, sobre quem são considerados os
verdadeiros alemães. E, portanto, a raça superior. Desconhecem os planos para serem
executados nas colônias da África e da America dos Sul. São, ao todo, seis
itens praticamente os mesmos da Alemanha de Hitler que norteavam o apartheid
Sul Africano.
Na Europa, Portugal
com Salazar, Espanha com Franco, Itália nem é necessário falar, aliado de armas
e de loucura, Mussolini e Hitler fundiam-se em uma única alma, se é que se pode
dizer que tinham alma. Fato característico dos fascistas, corruptos e da quinta-coluna,
são a traição e a defesa dos interesses pessoais, em detrimento do seu povo. Era
isso que desejavam os aliados latinos do nazifascismo. O que reforça esta
verdade é a traição de Mussolini por seu próprio genro, o Conde Galeazzo Ciano,
que, ao ver próxima a derrota do fascismo, não pensou duas vezes em trair seu
sogro; para sua infelicidade e alegria dos democratas, antes da total derrocada
dos nazistas, eles ocuparam Roma e o conde foi arrebatado da tranquilidade do
Vaticano, onde era embaixador, e levado direto para o fuzilamento. Assim são os
corruptos, quando estão por cima, são produtivos, disciplinados, “amigos” dos
superiores, e, sobretudo, muito obedientes, mas, na primeira possibilidade de
queda, traem com facilidade e até com prazer, mas não sem antes dar uma de que
mudaram de ideia, e que estavam equivocados. Foi essa a tentativa da
quinta-coluna quando, ao perceber a derrota do nazifascismo, passou a defender
a paz de compromissos entre o Eixo e as Nações Unidas. Na Espanha, Franco
buscava essa paz; em Portugal, Salazar também; na Itália, Pietro Badoglio virou
sucessor de Mussolini. Com essa proposta, a ideia nazista continuaria viva e eles
poderiam voltar a aterrorizar o mundo. Entretanto, os líderes dos principais países,
como União Soviética, Inglaterra e Estados Unidos, não se fizeram de rogados, e
só admitiram uma rendição incondicional.
Enfim, Hora da
guerra, uma verdadeira lição de engajamento do artista em defesa da
democracia, mostra um Jorge Amado aguerrido e apaixonado pelas artes e pela
liberdade. Assim, agora passado tanto tempo, num momento em que a guerra é
outra, conclamo todos à leitura deste livro extraordinário, cujo espírito
lúcido e perspicaz do autor de Mar morto continua impregnando suas
páginas da mesma maneira que o fez em sua prosa de ficção.
*Daniel Barros, 44, escritor e fotógrafo alagoano residente em
Brasília, é autor do romance O sorriso da cachorra, Thesaurus, 2011.
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