Comecei a ler o livro Esse é o Homem – TRACTATUS POÉTICO-PHILOSOPHICUS
do poeta WJ Solha, pensando: uma trilogia de poemas longos é algo de difícil
concepção. Se um compositor acaba se repetindo, tornando-se previsível e
monótono, fazendo com que nos lembremos mais de suas primeiras músicas em
detrimento das mais recentes, como poderá um poeta não resvalar nesse mesmo
sortilégio da criação?
E isso não é bom, pois estabeleceu uma
prioridade: a busca das semelhanças. De início observei as rimas que se
repetiam e fiquei desconfortável. Lembrei-me de quando conversamos sobre meu
poema Ode à bandeira, e Solha
criticou o fato de eu ter rimado Solha com poalha como se a palavra somente
estivesse ali para rimar. Casa de ferreiro espeto de pau?
Não satisfeito, interrompi a leitura.
Por ser livro para mergulho de apneia (já
havia constatado isso em seus livros anteriores), busquei um recanto e
reiniciei o livro.
E inicia-se o livro com a criação das
palavras, a corporificação e socialização do objeto; e tudo se inicia pelo
fluido, o mesmo fluido que, ao longo das 98 páginas do poema, nos levará e nos
percorrerá e persistirá com a nossa partida.
Todas as interjeições já foram ditas e
não se incorporam ao poema.
Depois veio o osso que virou arma, a
dualidade bem e mal a nos olhar, o nosso olhar (olhar humano – demasiadamente
humano), desde os primórdios de nossa existência. Vejo a odisseia de 2001 viva, estabelecendo quem é o
verdadeiro Homem, sem firulas e dissimulações. E diz-nos o poeta que existe a
arte, e existe a guerra, e existe uma retroalimentação, um feedback positivo renegado, mas legítimo.
E vão surgindo os nomes, cada vez mais
complexos (na criação e multiplicidade de usos, finalidades estéticas e
atrozes). E aí – repetindo o poeta – a suprema criação da consciência humana:
surgem os deuses com os quais não se lida com conforto, os quais são temidos,
pois trazem a morte.
E, ao longo do poema, o homem se
desencontra, se repete, cria, procria, nomeia bem e mal, traduz toscamente
imbuído da tonta ideia da literalidade. E faz a arte, cria a metáfora e dribla
a realidade numa tentativa de destrinchar a vida. E é bom e é mau.
Vou esquecendo as rimas, mergulhando em
tudo de história que me traz o poema. E, como leitor, estabelecendo as conexões
(está aí um bom poema para manter ocupadas as sinapses cerebrais) necessárias
para ver no homem de Solha, o mesmo que vejo com meus olhos miúdos. Vou
entendendo que as palavras e as rimas contidas no poema não existem apenas para
manter uma musicalidade: elas são um mote, um sinalizador de percurso do homem
Solheano. E esse homem, após nomear a natureza, nomeia suas crias, suas buscas,
achados e desespero.
De uma forma sutil, um certo menino nos
conta histórias breves que cruzaram com seu olhar. E é do olhar do poeta que
falo, aquele olhar envolto pelas circunstâncias. Aquele olhar da consciência de
um poeta que representa em seus poemas o Universo e o Homem. Pois o olhar do
poeta é mais que antena, o olhar do verdadeiro poeta, parafraseando o grande
poeta baiano Ildásio Tavares, tem a humildade de se reconhecer homem e nos
dizer estendo os braços e curvo no meu
joelho minha linha do horizonte. Eis aí o homem e o poeta.