“Não há
nada que esteja mais em moda hoje em dia do que ser fascista em nome da razão.” Raduan
Nassar, em Um copo de cólera
Na
sala grande, vigiada apenas pelo vira-lata Messias, Jovelina fiava a sua
solidão por entre os pontos do tricô. Os olhos na trama da peça, o pensamento
na rua.
Pontualmente,
à meia-noite, o ruído da chave na porta. Os passos fortes de Emetério, apesar
de tangidos pela pinga. “Troco você por um trago, Jovelina. Fique desde já ciente
disso!”; a frase pronunciada desde a longínqua lua-de-mel.
O
olhar voltado para o telhado alto, a luz da lua coada pelas telhas de vidro. E
a lembrança dos conselhos da família.
O
velho pai, rabugento e tirano nos limites da sua própria alcova, aconselhava-a:
“Deixe esse canalha, minha filha, em nome da razão!”
A
mãe, sempre encurvada pelo sofrer, sussurrava-lhe: “Esse homem não presta,
Jovelina. Tenha bom senso, volte para casa!”
As
amigas, solteironas, amargando as horas num infindável caritó, vociferavam: “Se
fosse eu, é lógico, a mala desse sem-vergonha estaria na porta da frente no fim
da primeira noite.”
Messias
espreguiça-se, rosna baixinho, faz um carinho nas pernas secas de Jovelina, e
ela se levanta. Sabia que Emetério lhe esperava; soltou os cabelos longos e
rumou para o quarto. “Troco você por um trago, Jovelina. Fique desde já ciente
disso!”
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