Dois ou três ocasionais leitores desta seção
enviam e-mails comentando os dois textos que escrevi sob o titulo “O rei
chorou...”. Uns querendo saber qual o livro de Schiller que lia Tonio Kroger –
personagem da novela homônima –, no fragmento citado por mim. Outros,
pedindo-me que escreva mais sobre o autor alemão que se tornaria um dos meus
mestres secretos. Ah, quase me ia esquecendo de registrar aqui o desapontamento
de alguém que, externando o seu ponto-de-vista, considerou tudo isso uma grande
bobagem. Fazer o quê?
Tonio lia “D.
Carlos” [respondo], peça de Schiller, autor que Thomas Mann começou a ler
ainda menino e que se constituiu em uma dessas “lealdades juvenis” por toda a
sua vida. Tanto que, um pouco antes de morrer, aos oitenta anos, foi o mais
importante orador do sesquicentenário da morte do dramaturgo que em sua época
rivalizou com Goethe, como um dos grandes patriarcas das letras germânicas.
Empolgado pelo teatro, o futuro autor de “A
Morte em Veneza” adorava Schiller, e aos quinze anos, numa carta a Frieda
Hartenstein, uma velha ex-governanta da família, escrita em 1889, assina-se
“Th. Mann, dramaturgo lírico”, ao comunicar-lhe que ganhara como presente de
natal as obras do autor.
O instinto literário que o atraíra para Schiller
me atraíra para Thomas Mann, desde que o li pela primeira vez. Através da
leitura de sua prosa de fatura clássica adquiri o que ele chamaria de
“consciência cultural”, ao entender o ato de escrever como a síntese de uma
concepção de nobreza e não apenas uma mera forma de comunicação, um tema que
obsessionava também ao seu irmão, Heinrich Mann, igualmente escritor – um
grande escritor prejudicado pela notoriedade universal alcançada por Thomas,
que, por isso, sentiu-se de alguma forma culpado por toda a vida.
Nenhum autor terá exercido sobre mim uma
influencia mais profunda e mais constante. Como Heinrich, ele acreditava que os
homens de letras que se abstinham de agir em favor da humanidade seriam os
últimos a serem perdoados. Ambos acreditavam que são os homens de letras –
escritores, ensaístas, jornalistas... – que definem a consciência cultural de
uma época. Não admira que tenha se tornado o símbolo do “escritor-estadista”,
cuja existência representativa, como a dos príncipes, serve de exemplo e modelo
para os outros homens.
Distinguido com o Prêmio Nobel de Literatura em
1929, Thomas Mann está presentemente um tanto ultrapassado e esquecido.
Escrevendo para leitores que buscam através das palavras o pensamento, ou seja,
a essência filosófica e metafísica da existência, seu discurso tornou-se
obsoleto e tedioso para os que têm pressa e nenhuma – ou quase nenhuma –
exigência de qualidade que, como diria Lênin, há de estar presente em tudo,
inclusive no romance, considerado por alguns o gênero burguês por excelência.
Para Thomas Mann, ao refletir sobre o estranho
destino dos artistas, escrever é achar-se no pleno domínio de si mesmo. E, a
admiração, um precioso e inestimável dom que devemos cultuar e desenvolver sem
esperança nem temor, como uma forma de exercício espiritual, mas, igualmente
como resistência a esta civilização de oportunistas e imbecis, pois como diria
o próprio Mann em carta a Peter Mendelssonhn, o “mundo está escorregando,
irrevogavelmente, para as trevas, a catástrofe e a barbárie”. E a um marinheiro
americano que lhe pedira um conselho, em 1951, recomendou: [...] “O senhor deveria estudar as grandes obras da
literatura mundial, e estudá-las com intensa admiração, a fim de poder criar
alguma coisa de sua lavra...” Considerava um pré-requisito básico, para
qualquer tipo de aprendizagem ou desenvolvimento político, a capacidade de
admirar e olhar para o alto. Para o alto.