A sonata clássica, segundo Otto Károlyi (in “Introdução à Música”, Ed. Martins
Fontes), estrutura-se basicamente como exposição de motivo, desenvolvimento e
recapitulação, processo apropriado literariamente por Marcel Proust, em sua
obra polifônica – “Em busca do tempo
perdido”. Para Thomas Mann, escritor dotado de uma grande sensibilidade
musical, a polifonia manifesta-se apenas como algo vago e generalizado.
É sabido que a pintura e a música lhe davam
muito alegria, sobre as quais discorre ao longo da sua caudalosa obra que rompe
com os limites do gênero. Segundo Proust, se o romancista tem muito a aprender
com o pintor, deve também se instruir junto ao músico.
Vinteuil, obscuro e genial compositor
provinciano, construído segundo a inspiração impressionista, irradia ao longo
da ópera magna proustiana essa lição exemplar, haurida no conhecimento profundo
de Cesar Franck e de Debussy, magistralmente demonstrada pelo escritor sob a
forma de uma “pequena frase” musical ou leitmotiv.
Nele (Proust), como na sonata clássica, a
exposição é repetida com variações técnicas e emocionais que desenvolvem e
ampliam os conflitos num cenário recorrente, autotransformante, onde os
personagens readquirem o seu equilíbrio, mas, em função da vivência acumulada
ao longo de uma vida, sofrem sutis mutações que enriquecem substancialmente o
conhecimento do leitor.
Como um virtuose da composição musical, Marcel
Proust usa em seu romance-rio o recurso tonal da modulação, fugindo assim da
monotonia de um relato linear, contrário à ideia da memória involuntária.
[1]Fragmento
de conferência na Aliança Francesa de Natal (1997).