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sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

A sapiência do silêncio (Clauder Arcanjo)


(Quadro de Badida Campos)

Para Ítalo Gurgel

Sou uma caixa de paradoxos. Ao tempo em que o sangue quente, sempre e muito, se me avoluma na garganta e no peito, adoro ouvir o canoro assobio do silêncio. Bem como, em quase estado de êxtase, me deparar com um daqueles sujeitos que mastiga a paz com a doce inocência de uma criança a mascar chicletes.
        Para mim, o verdadeiro sábio, antes de proferir e demonstrar o seu valioso saber, deve andar sob a proteção do recolhimento. Quem arrota não sabe! — tal máxima tem, cá em mim, o credo e a rigidez de um sacrossanto dogma.
Certa feita, há anos, fui apresentado a um “doutor”. Procederam, diante dos meus olhos, antes da sua chegada, a uma festa de adjetivos na descrição dos seus “méritos”: notório, atilado, medalhão, altivo, singular... Enfim, todo um dicionário, sem falar nos “ais e uis” de incontida veneração. Todavia, quando o pretenso “doutor” chegou e abriu a boca, a vomitar presunção e bazófia, a outorgar-se, em tonitruante arrogância, o trono do mundo, dei-lhe as costas e, com nojo, deixei o ambiente. Lá fora, acreditem, consegui finalmente respirar. Os presunçosos roubam-nos até o oxigênio.
Contudo, há casos opostos, diametralmente opostos. Uma noite, lembro-me como se fosse hoje, achegou-se a mim um sujeito com corte e jeito de quem não quer nada, de quem nada sabe e de que a tudo tem manifesta e veneranda atenção. Em seus olhos, bem observei, residia a mansuetude dos que não têm pressa; seus lábios mais pareciam dois ouvidos. Seus gestos, bem, seus gestos falavam sem a turbidez e o alarde da palavra.
Vi-me, de repente, cercado de uma paz indescritível, e, sem perceber, passei a remar no mesmo mar silente.
Estávamos numa cafeteria, e era um fim de tarde. Minutos após, colhia o trinado e o gorjeio dos pássaros recolhendo-se na copa das árvores, dava pelo farfalhar das folhas secas, tangidas pelo aracati, assim como presenciei o namoro de dois pardais sob uma discreta mesinha mais ao fundo. Coisas, há pouco, consideradas miúdas por mim, invisíveis ao meu olhar contaminado pelo vírus da pressa e pelo bacilo do barulho. Não digo que nada falamos. Mas na medida certa, no ponto exato. Porém, com aquele homem, o leitmotiv da vida era o silêncio. E ele tudo me explicava na vivência, no exemplo pessoal. Sem gabolices.
Ele molhava os lábios com o café, mastigava em compasso de eternidade sua tapioca com queijo coalho, e corria os olhos pelo céu, lentamente, à cata de flagrar o inusitado.
Quando anoiteceu, fui testemunha, levou a face aos céus, como se dando graças pelo brilho das estrelas e pelo atrevimento lírico do nosso belo luar.
Pouco depois, despedimo-nos, com um leve aperto de mãos. A partir desse dia, por mais paradoxal que pareça, passei a entender a sapiência do silêncio.
Bom domingo.
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