Fazia um
tempão que nem alegria eu tinha. Tudo o que mais gostava, agora jogava
fora. Enjoei de tudo: amizades, papo no boteco, sinuca. Pra quê, se
era sempre a mesma coisa? O pessoal resmungava: cadê Diógenes? Onde andará
metido aquele cara? Vai ver arrumou alguma nega e se mandou. E eu nada. Era
comer, deitar e dormir.
Um dia, não
sei como nem por que, comecei a ler bulas de remédios e livros sobre
ervas. Eram o meu jornal. E tanto li, que me senti doutor. Um
vizinho foi falando para o outro e aí começou o alvoroço. Filas
se formavam diante de minha casa para que eu receitasse. Baixava um
troço em mim e a voz no meu ouvido dizia pra fazer isso ou
aquilo. Então, tive a ideia de construir
um quartinho no fundo da casa para atender o povo. Peguei uma
mesa comprida, coloquei em cima livros religiosos, um copo com água,
que eu jurava ser benta, e acabei virando uma espécie de Salvador.
Vizinhos abandonaram médicos, igrejas diminuíram rituais... Era a
população encontrando em mim resposta às suas mazelas.
Tudo mudou
quando dois filhos, que moravam em outra cidade, chegaram de surpresa para
passar um feriado comigo e se depararam com a situação. Pai, você virou
charlatão? Quer ser preso? Eu, exaltado, perdi a compostura. Vão pro inferno!
Tô meses com uma fraqueza danada e nem deram sinal de vida.
Aproveitando
a presença deles, padres e pastores foram reclamar da evasão de fiéis.
Funcionários dos postos de saúde registraram queda nas estatísticas. Os
beneficiados revidavam as acusações com passeatas e
cartazes: "Queremos Diógenes! Basta de perseguição!"
Meus filhos
insistiam para que eu parasse com aquilo. Mas como era bom ser
amado pelo povo! Quem sabe eu podia até virar político? Nada que eu
dizia parecia convencê-los acerca de minhas boas intenções. Teimavam em me
levar para o interior, onde morava boa parte da família, inclusive eles.
Com
tristeza, aceitei ir. Lá chegando, convivia com a
chatice. Tristeza do cão. Mulher, nem pensar. Cada uma pior que a
outra. Até me faziam lembrar Martinha, mãe de meus filhos que, no
dia em que morreu, tomei um porre de cachaça de tanto alívio.
E agora me sentia mesmo um morto-vivo. Se demorasse mais um
pouco ali, virava pó. Que saudade daquelas filas, dos meus doentes, da
agitação. Aquilo é que era vida.
Foi então
que soube de uma casa mal-assombrada, vazia. Cheguei para o padeiro
do bairro que, segundo o povo, sabia de tudo o que rolava na cidade,
e perguntei que troço era aquele de fantasma. O cara deu de
ombros. Bem, se nem ele sabia, decidi eu mesmo desvendar o mistério.
Entrei na
casa chutando a porta, que se desintegrou de velha. Levei um baita
susto com os bichos e a fedentina dos
infernos que vinha de dentro. Saí dando paulada nos cachorros,
gatos e gambás, que vinham de todo lado. Fugiram esbaforidos. O
terreno dos fundos era um matagal sem fim. Levei semanas
para capinar. Nos quartos, sala e varanda, uma poeirada que
me sufocava.
Finalmente
me mudei. Que casa mal-assombrada, que nada! O lugar estava precisando era de
uma boa limpeza. Mesmo assim, resolvi manter a lenda do fantasma. Ajudava
a afastar a xeretice. Amigos doaram mesas e cadeiras, pratos, talheres.
Nada em bom estado, mas tudo bem, cada um recebe o que merece. Armei uma
rede na varanda, que virou meu quarto. Sonhava com os velhos tempos. Era um tal
de vir gente me espiar. Eu esbravejava: – Curiosidade mata, meu
povo! Fora! – Meus filhos nem ligavam, já tinham
desistido de se meter na minha vida. Mas precisava fazer alguma
coisa, não ia ficar me balançando na rede que nem um
velho.
E lá estava
eu, dando uma volta pela cidade, pra ver se criava ideia. Encontrei uma
dona pelo caminho, que se chegou, dizendo: – Tenho
umas ervas boas pra curar teu joelho capenga. – Capenga é a puta que
pariu. Dei uma porrada na quina da mesa. Já tô usando arnica. Quero ver as
ervas que tem. Levou-me ao sitiozinho. Havia, de fato, muitas
ervas, mas ela não entendia da coisa porque a especialidade
era do marido, que havia batido as botas há um ano. Um amigo
mantinha as plantações. – Vou
virar teu freguês! A dona riu e eu vi que não tinha uns dentes na
parte de cima. Quando ria, a barriga balançava. Aquilo me divertiu. Gostei da
danada, se chamava Dora. Comecei a ir lá todos os dias e
daí veio um roçar aqui, um roçar ali, e pronto. Acabamos dormindo
juntos. Que fogo! De repente, até revivi. E revezávamos entre a minha
casa e o sítio.
Armamos a
mesinha na varanda, sobre ela empilhamos livros de reza e colocamos incenso. A garrafa
com água benta dava um ar de respeito. A coisa foi se
espalhando. Começava a juntar gente. Pedíamos, em nome de Deus,
que parassem com aquela mania de tristeza. Precisavam sorrir. E o povo
ouvia. Com o passar do tempo, começaram a confiar em nossos dons
medicinais. E as ervas, além de curar doenças, passaram a
melhorar o sexo, tirar timidez, acabar com brochura de homem e frieza
de mulher.
À noite, no
balanço da rede, Dora e eu conversávamos e víamos como o
trabalho compensava.
E a
cidade foi ficando feliz que dava gosto!
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