Em seus últimos sete anos, tentando amortecer os
ruídos, Proust viveu enfurnado num quarto forrado de cortiça. Resignado à
solidão, queria viver tão somente para ter valor e mérito. Acreditava que a
imortalidade era possível, sim, mas somente através da criação de uma obra.
Concordava com a ideia de Baudelaire de que a vida verdadeira está alhures, não
dentro da vida, nem após, mas fora dela. Nos domínios imaginários da arte.
Sua obra, laboriosamente fictícia, transcria a
realidade que seria pobre sem o concurso da imaginação. Suas notas lançadas
sobre o papel, no curso de sua vida, dão suporte e carnação ao que escreve;
compõe-se de brevíssimos insights; a
princípio lançado esparsamente sobre a página em branco, e, depois,
obstinadamente em períodos mais longos, agoniantes em seu fluxo, até soar a
hora final; em busca da vida verdadeira que só pode ser resgatada e
interpretada pela arte. Proust cria um novo realismo, polifônico e
impressionista.
Escrever era a sua mais secreta ambição. Queria,
sobretudo, produzir uma espécie de frase que tivesse a mesma densidade
translúcida de uma pincelada de Vermeer, pois como escritor terá aprendido mais
com os pintores e músicos do que propriamente com os escritores. Daí o
aveludado de suas frases, o composto misterioso e inconfundível de uma matéria
verbal – como diria da pintura de Fra Angélico –, “cremosa e comestível”.
Não por acaso se deleitava na contemplação da
pintura dos mestres antigos, dos quais extraía novas metáforas e surpreendentes
adjetivos cromáticos para as suas frases nas quais se evidencia, não poucas
vezes, sua própria respiração. No fundo, sofria com “sua natureza estranha, mal
acomodada, da qual não podia se curar nem tinha como escapar”, pois se
constituía a um tempo de prazeres mesclados de horror e delícias.
Diz-se que Proust atraía por sua estranheza e
assustava por sua densidade. Jean Dutourd, da Academia Francesa, escrevendo
sobre seu colega André Maurois, um dos mais notáveis estudiosos da vida e da
obra do escritor, considera Proust “terrível”, não apenas por desnortear os
biógrafos, mas, especialmente, porque destruíra a própria vida pelo trabalho.
Sim, de fato, como Baudelaire – um dos seus mestres secretos –, Proust foi
excessivo em tudo. Construiu seu livro com a própria vida e, ao fazê-lo,
construiu para si um extraordinário e singularíssimo monumento funerário.
Olhando à sua volta, Proust viu o que ninguém
antes vira. E o viu de maneira crítica, aprofundando-se e “indo mais além”,
numa superação das “coisas usuais” que desmerecem o temperamento
individualizador do artista de talento capaz de criar um mundo a partir da
observação de um grão de areia. Inspirado pela misteriosa intensidade de sua
vida espiritual.
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