Era um ladrão bem desligado. Esquecia as armas do ofício em casa, na mesa
de bar, na cantina da escola, onde trabalhava meio expediente para ajudar com
as contas do mês.
Não era fácil se lembrar do roubo de cada dia. Então anotava, um a um, na
caderneta de papel pautado. Ficava assim imaginando um roubo novo, inventivo.
Não queria que suas vítimas o achassem monótono, repetindo as mesmas artimanhas
do artista da TV.
Assistia à sessão da tarde toda vez que chegava da escola, onde havia
fritado tantas batatinhas, feito quantos hambúrgueres e estava cansado de não
sair do lugar. Mas o ator era charmoso, usava um bigode fino e luvas pretas de
borracha.
E se ele enfim parasse, no meio da multidão, e exigisse o prêmio por
esquecer que era ladrão todo dia, e todo dia inventasse uma nova história de um
possível roubo? Ele foi assim, bem decidido, e não se sentia mais desligado do
mundo, pertencia ao mundo agora, feito a antena da TV.
No meio da praça, no meio da multidão, deu uns três tiros para cima, e
com o megafone sobre o bigode fino, as luvas pretas de borracha, gritou em alto
e bom som.
– Se não me derem um milhão, eu me mato!
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