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terça-feira, 27 de setembro de 2005

Glauco Rodrigues Corrêa: Literatura policial com L maiúsculo (Nilto Maciel)


À leitura de Crime na Baía Sul, de Glauco Rodrigues Corrêa, vem a pergunta: o que vem a ser literatura policial? Seria aquela em que o crime aparece como centro motivador da narrativa? Contudo, Dona Guidinha do Poço nunca foi tido como romance policial. Seria, então, a literatura que se circunscreve a narrar crimes? São inumeráveis as obras de ficção, mesmo na fase romântica, que narram, embora às vezes disfarçadamente, fatos criminosos. E aqui tratamos de crime em sentido amplo, ou seja, o ato que fere a moral de uma sociedade. Neste caso, toda a obra machadiana, calcada na infidelidade conjugal, seria rotulada de literatura policial. Aliás, soa mal a expressão “literatura policial”, a não ser que o rótulo servisse apenas àquelas obras onde policiais contracenam com criminosos, vítimas e afins de ambos. Assim, Bar Don Juan será romance policial? Muda apenas a ótica ideológica do autor, pois, neste caso e noutros, a polícia é o bandido e o criminoso vira herói. No entanto, existe outro rótulo: literatura política, de protesto, engajada.

Em verdade, literatura policial é um subtipo de literatura, onde o suspense, o mistério e o crime a ser desvendado são componentes indispensáveis na narração. O leitor permanece “enganado” até o fim, envolvido pelo prazer abstrato, matematicamente calculado pelo autor, no dizer de Temístocles Linhares.

O livro de Glauco Rodrigues Corrêa é, realmente, uma novela policial. A conclusão do leitor, desde o início da leitura até as penúltimas páginas do livro, é a de que o criminoso é aquele sobre quem recaem as maiores suspeitas, embora não seja acusado de nada. Fiel aos lugares-comuns do suspense, o leitor absolve de imediato os primeiros acusados.

Indubitavelmente, Crime na Baía Sul é todo uma perfeita trama. Não do assassino, mas do novelista. Aparentemente, estamos diante de uma verdadeira novela policial, a começar pelo título e pelo próprio rótulo dado pelo autor. A seguir, pelos subtítulos e pelo estilo do personagem-narrador Jerônimo, leitor de livrinhos de bolso, servidor ocioso dos correios na cidadezinha-subúrbio de Santo Anastácio do Roçado, maníaco por escrever uma história como as que lia na repartição.

Até o mais exigente leitor não deixará de ler o livro com atenção e gula. E certamente procurará outras novelas policiais, crente de que sua suspeita não passava realmente de um preconceito.

Sem comparações, Crime na Baía Sul é tão subliteratura como Angústia, de Graciliano Ramos, e outros romances em que o crime é a espinha dorsal da ação romanesca. Trata-se, em verdade, de uma boa novela psicológica e de costumes, atualíssima e cheia de vida.

Tudo estaria bem dito a respeito do livro de Glauco, se transcrevêssemos trechos da crítica feita por Temístocles Linhares ao romance Quem matou Pacífico? Entretanto, basta um trecho: “Mas não estamos – é preciso ir logo esclarecendo – em face apenas de simples romance policial. Há aqui o humano autêntico, o vivido imediato, alguns aspectos essenciais da vida brasileira no interior. O livro é antes uma mistura de romance policial com muitas outras coisas”.

Crime na Baía Sul se diferencia do comum dos romances policiais. Ao contrário destes, a obra em análise tem um personagem criminoso que não deve ser revelado num artigo, a bem de uma leitura inteligente.
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De desaparições e de ruínas (Nilto Maciel)



Quando os dragões sumiram
por trás dos montes,
eu me quedei,
olhos fitos nos horizontes empardecidos.
Anoiteceu e ainda pude ver
suas sombras se diluindo,
e, com elas, toda a coorte do castelo:
princesas, fadas, bruxas e duendes.
Incontinenti, ruíram as muralhas
e um pó sem cor se fez no ar,
feito nuvens de tempestade.
Busquei sonhar.
No entanto, o leito não me comportou
e eu me senti tão só
que a noite nunca teve fim.
Tudo desapareceu,
tudo ruiu:
ruas e casas que habitei
e com elas meus passeios;
cadernos de caligrafia
e com eles meus rabiscos;
verbos no pretérito
e com eles o presente e o futuro;
bares onde me inebriei
e com eles meus devaneios;
amigos e seus ais
e com eles a sede de dizer;
amadas e seus olhos
e com elas a fantasia;
meus irmãos e suas vozes
e com eles os motivos de lutar;
meu pai e minha mãe
e com eles o sentido de viver.


Tudo desapareceu,
tudo ruiu,
até que o próprio Deus sumiu.
E então tudo o que fora sólido
se espedaçou;
tudo o que fora festa
se estiolou;
tudo o que fora enigma
se elucidou;
tudo o que fora nobre
se banalizou;
tudo o que fora belo
se embaçou;
tudo o que fora doce
se amargurou;
tudo o que fora sacro
se aviltou;
tudo o que fora eterno
se findou;
tudo o que fora vida
em morte se tornou;
tudo o que fora meu
roubou-me o tempo
e eu afundei num poço
em que não creio.

(9.8.97)
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