O título do segundo romance de José Lemos Monteiro dá-nos a impressão de ser uma obra amena, quase lírica, espécie de memórias da província. Trata-se, no entanto, de romance de denúncia dos mais vigorosos aparecidos nos últimos anos do século XX no Brasil.
As primeiras páginas de A Serra do Arco-Íris dão-nos a entender que estaremos diante de uma simples história repleta de aventuras na selva. Ou das angústias de um piloto perdido nas matas, após desastre aviatório. As aventuras serão narradas e as angústias encherão algumas páginas, é certo. Entretanto, o personagem-narrador, antes aviador e pai de família comum, irá narrar não a sua desgraça pessoal, porém toda a crônica do lugarejo perdido no mapa e que, pouco a pouco, irá se transformando em metrópole moderníssima. O romance é essa crônica.
Se nos vier à lembrança Jari, ninguém verá na criação de José Lemos nenhum absurdo. Entretanto, não importa se o romancista teve por modelo essa ou aquela realidade. Interessa que Liberlândia lembra Jari e os interesses econômicos estrangeiros, Serra Pelada e a exploração de minérios, sem que a população nativa dela tire qualquer proveito. Lembra as obras suntuosas, o desastre ecológico de Sete Quedas, o Brasil “modernizado”.
A Serra do Arco-Íris é um documento literário em que a questão social é levantada sem evasivas, de forma clara e mesmo a partir de uma ótica pessimista. Mais que isso, o narrador descobre as razões das demissões em massa, da recessão, do desemprego, do consumismo, do medo a tomar conta de cada um, num verdadeiro diagnóstico social.
Por isso mesmo, A Serra do Arco-Íris vem a ser romance atualíssimo, extremamente fiel à realidade brasileira, não cabendo ver-se-lhe qualquer sintoma de fantástico ou absurdo. O capítulo dos patins, por exemplo, mal terminou, apesar de tratar-se de mais uma moda. O das pernas-de-pau é uma sátira às modas em geral, por mais absurdo que pareça. No entanto, quem duvida do engenho do capitalismo? Além do mais, é lícito ao ficcionista utilizar-se da sátira e, com isso, antecipar-se aos fatos. Sabemos lá o que se inventa nos gabinetes da burguesia! São fantásticos e absurdos esses burgueses. Não lhes importam a natureza nem o homem. Que se matem os rios, morram os peixes, as florestas, o homem. Que tudo mais vá para o inferno, se seus lucros se multiplicarem. Eles precisam do poder para viver. E se acreditam super-heróis, capazes de inventar substitutivos aos rios, às árvores, aos homens. Tudo de plástico, isopor, metal. Microamazônia de plástico, robôs, cascatas em tela, feitas a pincel e tinta. Para isso não lhes faltarão operários, cientistas e artistas. Todos seus escravos.
Um grande ironista esse José Lemos Monteiro. Ou o personagem-narrador. Aliás, a ironia e a metáfora andaram sempre juntas nos últimos anos do século XX no Brasil. Na literatura, em todas as artes, na própria imprensa. Formas distintas de discurso. Talvez a ironia da imprensa esteja no sorriso do repórter. Porém quem há de negá-la? No romance ora comentado são inúmeros os trechos em que a ironia aparece com muita nitidez. Como neste: “Entretanto, as demissões em massa continuaram logo no dia seguinte. Os empresários se angustiavam porque tomavam aquelas medidas pelas circunstâncias”.(pg. 78)
A Serra do Arco-Íris compõe-se de oito capítulos. Em todos eles o narrador se volta para o passado, a relembrar a família. E também escreve a crônica de sua nova experiência como sobrevivente do desastre aviatório no lugarejo Liberlândia, que aos poucos se vai transformando numa supercivilização industrial. No último capítulo, ao eclodir a tempestade, ele aprimora sua angústia, afunda nos abismos da introspecção, transforma seu discurso em poesia, para finalizar em desengano e pessimismo.
Apesar de ter dado ao personagem a condição de narrador dos fatos, a liberdade para falar de si mesmo, angustiar-se e expor opiniões, transformando-o em cronista-crítico de um tempo e um espaço imaginários, às vezes aparentemente absurdos, perguntar-se-á o leitor, ainda assim, se o autor não quis deixar claro a sua discordância das conclusões tomadas pelo personagem. Ou seja, apesar de todos os crimes praticados contra a natureza e homem, a burguesia perecerá no novo dilúvio e uma nova era se aproxima. Na nova arca, fabricada com os próprios restos da era industrial, só caberão as vítimas da monstruosidade burguesa. Aliás, os profetas mais sensíveis e inteligentes da raça humana têm dito: a nova civilização se erigirá sobre os escombros da anterior. Portanto, é loucura destruir-se tudo, até por anarquismo. Afinal, a anarquia é a base na qual se assenta a própria burguesia.
Assim, A Serra do Arco-Íris termina sendo um grande romance de denúncia e, ao mesmo tempo, de anunciação do fim de uma era monstruosa.
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