Ninguém jamais compreenderá a América, sem antes compreender o significado do extermínio dos índios. Mais ainda a América amazônica. E é para retirar deste limbo a história da Amazônia que Márcio Souza, em A Expressão Amazonense: do colonialismo ao neocolonialismo, desce às profundas do passado para emergir à superfície da Manaus da Zona Franca. Tal baldeamento – essa descida ao fundo do poço – é um imperativo, para que a verdade histórica não permaneça enlameada e obscura. Porque só interessa aos que se arrepiam diante dos fantasmas pretéritos essa escamoteação da verdade e, sobretudo, a subdivisão da História em departamentos estanques. Mas, como se a consciência lhes roesse as entranhas, esses guerreiros de papel, como para querer sanar todos os cancros do passado, um dia descobriram que a remissão da terra estava numa operação de transplante – e implantaram em plena selva um aparelho cardíaco artificial, a chamada Zona Franca. Mas os males do passado não se curam com novas extravagâncias pueris. “A capital amazonense se transforma rapidamente num apêndice infectado, centro perfeito para a velha luta entre glóbulos brancos e glóbulos vermelhos. Na escatologia médica isto tem um nome: leucemia. O choque de brancos e vermelhos encaminha-se para o extermínio dos últimos. A simbologia é clara: a vitória dos brancos é a morte do organismo" (pág. 34). A origem dos males está na distância entre as duas raízes humanas, separadas por um mar até o séc. XVI tão imenso para uns e para sempre um enigma para os outros – de um lado uma religião codificada, uma Roma cesariana, uma idade de bruxas e fogueiras, e de outra um panteísmo primitivo, uma selva chuvosa, uma era de mitos que beiravam a primeira infância da raça. “Por isso, o contato jamais seria pacífico e uma coexistência bem sucedida se tornaria impraticável em terras amazônicas" (pág. 54).
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domingo, 12 de março de 2006
O grande jantar (Nilto Maciel)
O Barão John Food ofereceu um lauto jantar a todos os seus amigos de nobreza, nacionalidade e credo filosófico, em homenagem a Francesco Tavola, pai de seu grande amigo, o Padre Giordano Tavola, seu confessor e confidente. Presentes todos os convidados, abriu a cerimônia com muita seriedade:
– Este será o maior jantar já dado na face da terra, maior do que o da multiplicação dos pães. Não em quantidade de convivas ou de pratos, mas em seu significado. Aqui vamos comer, simbolicamente, todos os evolucionistas, todos os naturalistas, todos os hereges, todos os descobridores, todos os inventores. Todos os revolucionários, enfim. Jantaremos apenas carne. Somos carnívoros. Jantaremos um bode, como se fosse Pierre Bodée, representante de todos os nossos inimigos, desde Demócrito até Darwin. Um bode expiatório.
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