Translate

quarta-feira, 5 de abril de 2006

Prosa de ficção: algumas noções (Nilto Maciel)




Tenho encontrado leitores que me fazem perguntas embaraçosas como esta: “O que devo fazer para aprender a escrever conto, novela, romance?” No mais das vezes, digo-lhes: “Comece lendo os clássicos.” Alguns me responderam: “Mas eu já li quase todos e, mesmo assim, ainda não sei como escrever um conto.” Ora, há dicionários, manuais, tratados que dão noções sobre espaço, ação, incidente, drama, conflito, unidade dramática, história, célula dramática, lugar, tempo, passado anterior ao episódio, tom, personagens, tipos, caricaturas, linguagem, concisão, concentração de efeitos, diálogo, diálogo interior, monólogo interior, discurso direto, narração, descrição, ponto de vista, foco narrativo, primeira pessoa, narrador onisciente, começo, fim. Também o conhecimento de tudo isto parece não ser suficiente para dar ao aprendiz de escritor o cadinho para a realização da obra de arte. E, por falar em cadinho, captei a seguinte lição de Adolfo Casais Monteiro, em Os Pés Fincados na Terra: “A arte não é invenção pura; o artista é como que um cadinho em que se realiza a mistura dos ingredientes que são o pó da experiência.” Muitos sociólogos ditos marxistas insistem em afirmar que toda pessoa é capaz de criar qualquer obra de arte, desde que se lhe dêem condições sociais, culturais para o exercício dessa capacidade. Ora, milhares e milhares de pessoas letradas, bem vividas se dizem poetas porque sabem escrever versos. No entanto, não são poetas ou não conseguem escrever bons poemas. Os gramáticos seriam então os melhores poetas, contistas ou romancistas.

Da crueldade humana (Nilto Maciel)





Está nos dicionários: Cruel. Adj. 2 g. Que se compraz em fazer mal, em atormentar ou prejudicar. Duro, insensível, desumano. (Do latim crudelis ou crudele.) Crueldade. S. f. (Do lat. crudelitas –atis ou crudelitate.). Subentende-se que a crueldade seja uma qualidade humana e não de todos os seres vivos. Assim não entendo. Os animais também são cruéis, pois também são duros, insensíveis, severos, rigorosos, sobretudo no ato de matar a presa. Mas isto não importa aqui. Quero falar do livro Contos cruéis – As narrativas mais violentas da literatura brasileira contemporânea, organizado por Rinaldo de Fernandes e editado pela Geração Editorial, São Paulo, 2006. São 47 contos “dos anos 70 (ou mesmo um pouco antes) aos dias atuais”. O organizador adotou dois critérios básicos para fazer a seleção: “convidar nomes importantes da ficção atual (de várias regiões do país)” e “incluir alguns contos já consagrados da literatura brasileira contemporânea”.