Translate

segunda-feira, 8 de maio de 2006

Uma crônica de João Brígido (Nilto Maciel)


(João Brígido)

Um editor me pediu um escrito natalino para um jornal. Pensei num cartão, numa carta, numa cartona. Imaginei uma virgem e seu filho. Vasculhei a Bíblia, minha biblioteca. Cheguei a ler um auto pastoril. E terminei na Antologia de João Brígido. Passei o dedo pelo índice e fui dar na crônica “Uma manhã de Noel”. O livro tem quase seiscentas páginas. Parece-me ser esta a única crônica do livro, compilado pelo poeta Jáder de Carvalho, a tocar o tema do 25 de dezembro.

sexta-feira, 5 de maio de 2006

Ícaro (Nilto Maciel)



Rotineiramente nos meus sonhos sou levado de roldão no turbilhão das chafurdices mais absurdas. E acordo brigado comigo mesmo, por ser frágil, pequeno, indefeso — criaturinha atômica perdida na grandeza das coisas.

Há pouco eu ia ladeira abaixo, desembestado, numa carreira de doido. E se não conseguisse nunca mais parar, fosse bater no fim do mundo? Bem feito, quem me havia mandado sair daquele jeito! Não, eu podia me esborrachar nas pedras, terminar todo arranhado, quebrar perna, braço, rachar a cabeça. Ah meu Deus! E que vontade de voltar atrás, ao tempo da partida! De pelo menos estacar, tomar fôlego, andar apenas, passo aqui, passo ali, feito cachorro vadio. Porém já nenhuma vontade eu carregava, nada eu conseguia fazer para diminuir a velocidade, desgovernado seixo na correnteza. E descia, rolava, perdido, danado. Grão de areia arrastado pelo ar, eu sentia sumir-me o chão dos pés, levitar, alçar voo. As pernas, soltas no espaço, balançavam agarradas ao resto do corpo, feito as de um enforcado. E me guiavam os quatro ventos do desespero para as alturas e as perdições. Na boca, o gosto do nada; nos olhos, o medo de precipitar-me; no peito, a ânsia da desgraça. Sim, a queda. Não podia durar muito minha aventura de pássaro sem asas. Como voar para sempre? A menos que eu buscasse o mar, seguro porto de todos os voadores. Nunca, ele não existia, e, se existisse, vivia longe, longe demais. Mas quanta burrice, eu quase alcançava tocar com os pés as cabeleiras das árvores. Não carecia preocupar-me tanto. Bastava soltar-me das argolas do céu e saltar.