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domingo, 14 de maio de 2006

Achados de um menino perdido (Nilto Maciel )


(Cidade de Baturité)

De certa forma, fui discípulo de Ailton. Adolescentes ainda, fazíamos versos, de preferência sonetos. Os meus não valiam nada, e pouco depois mandei toda a papelada ao lixo. Os dele são alguns destes agora reunidos em livro, pela primeira vez, passados tantos anos de sua morte. O que restou de tudo o que escreveu, apenas 30 poemas, alguns contos e fragmentos diversos. Há um poema datado de 1957, quando chegava aos 15 anos de idade. É verdade que são inúmeros os casos de escritores que escreveram obras-primas quando bem jovens. Porém, a maioria dos adolescentes deixa de lado as veleidades literárias também muito cedo. Não foi o caso de Ailton, logicamente. Porque tinha talento. Sua poesia é de bom nível. Não por saber metrificar e rimar, como todo bom poeta o sabe. Ailton sabia métrica e rima porque lia e estudava. Lia os bons poetas, como Castro Alves, um de seus ídolos. Sabia de cor páginas inteiras do poeta baiano. Escreveu poemas de excelente extração, a lembrar os românticos. Aliás, o vocabulário de Ailton é quase sempre romântico. E rico. E os versos românticos são o melhor dele. Quando pretende fazer poesia político-social, como em "Desperta, Brasil", só nos resta lamentar.

A menina dos olhos (Nilto Maciel)




Corríamos pelo campo, não sei bem com que intenções. Possivelmente desejávamos pegar borboletas ou grilos. Talvez quiséssemos apenas correr. Não consigo lembrar-me dessas migalhas. Já faz muito tempo. Eu devia ser um pedacinho de gente de uns cinco ou seis anos.

Havia uma cerca de arame a dividir o terreno em dois mundos opostos: de um lado capim rasteiro; de outro, terra nua. E tratamos de transpô-la. E já então arrastava-nos a determinação de achar não sei o quê. Uns pareciam mais decididos, como se comandassem os demais. Raquel, sobretudo, que caminhava à frente e de vez em quando parava, abaixava-se, cutucava o chão. Uns acercavam-se dela, faziam-lhe perguntas, arranjavam gravetos e espetavam a terra. Imitavam-na ou queriam agradá-la. Outros, como eu, permaneciam ao largo, mais curiosos que agitados, à espera de novas invenções de Raquel.