Corríamos pelo campo, não sei bem com que intenções. Possivelmente desejávamos pegar borboletas ou grilos. Talvez quiséssemos apenas correr. Não consigo lembrar-me dessas migalhas. Já faz muito tempo. Eu devia ser um pedacinho de gente de uns cinco ou seis anos.
Havia uma cerca de arame a dividir o terreno em dois mundos opostos: de um lado capim rasteiro; de outro, terra nua. E tratamos de transpô-la. E já então arrastava-nos a determinação de achar não sei o quê. Uns pareciam mais decididos, como se comandassem os demais. Raquel, sobretudo, que caminhava à frente e de vez em quando parava, abaixava-se, cutucava o chão. Uns acercavam-se dela, faziam-lhe perguntas, arranjavam gravetos e espetavam a terra. Imitavam-na ou queriam agradá-la. Outros, como eu, permaneciam ao largo, mais curiosos que agitados, à espera de novas invenções de Raquel.
Aqui e ali a terra se apresentava fofa, como se a tivessem revolvido profundamente. E eu sentia medo, a imaginar cadáveres enterrados, tesouros encobertos, buracos que fossem dar no país dos anões. Raquel, porém, parecia saber de tudo, conhecer palmo a palmo o terreno e nem sequer se espantava quando metia o pé num buraco mais fundo.
Pouco a pouco, só eu permaneci mais afastado e até voltei à cerca. O ciúme não me deixava ir atrás de Raquel, feito um qualquer. Por que não me havia falado nada? Por que não me dava atenção? Por que preferia a companhia dos outros?
Ela falava sem parar e todos a escutavam. Apontava para o chão, como se explicasse coisas muito interessantes, a origem dos buracos, o nome dos mortos, o valor dos tesouros, a vida dos anões. Eu não conseguia ouvir sua voz, e mais me emburrava.
Para onde fosse Raquel, iam os outros, como se ela os tivesse atados por cordões. Arrastava-os de lá para cá, de cá para lá. E eu sem saber o que tanto buscavam. A casa do preá, o ovo da galinha, a cova da avozinha?
Primeiro Raquel apalpava o chão com um pé, o corpo sustentado no outro, para só então seus súditos criarem coragem de avançar, como se a terra pudesse abrir-se para os engolir.
A cada passo de Raquel meu coração dava um pulo e eu fechava os olhos para não vê-la desaparecer. Abria-os, o coração de novo a pular, e já ela aparecia noutro lugar, um passo aqui, pum-pum, um passo acolá, pum-pum.
Súbito, Raquel afundava e gritava, estarrecida, chorava e agitava as mãos, perdida. E os outros corriam, chocavam-se, tombavam, e eu ainda agarrei-me à cerca, a ferir-me as mãos, paralisado, frio.
E muitos anos depois, toda vez que eu via Raquel, eu a imaginava morta, a passear na sua transparência através das paredes, dos objetos, de mim mesmo, e vir alojar-se bem dentro de meus olhos.
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