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sexta-feira, 4 de agosto de 2006

O sonho impossível de Pã (Nilto Maciel)



Doido fauno senil, quebrando as finas
Lianas que se erguem no cipoal em que erro,
O ar farejo com sôfregas narinas,
Percebo indícios duma ninfa, e berro...
(Humberto de Campos)

Ela mais parecia saída dos bosques da mitologia, juvenilmente bela como as ninfas, os olhos mais cândidos do mundo. E ele, vendo-a todo dia, nada mais fazia que sonhar. Erguia castelos de areia, fundava cidades, viajava pelo cosmos. Ela se chamava Quésia, ele Arion.

E viveram infelizes para sempre. 

A nova ficção cearense (Adriano Spínola)


Numa terra tradicionalmente de poetas – talvez por ser o modo mais fácil de se destacar culturalmente, num meio de poucas oportunidades, ou porque o Ceará seja mesmo um manancial de talentos poéticos, quem sabe – a ficção narrativa tem merecido pouca atenção/dedicação por quantos militam na literatura. Da velha geração, há o exemplo raro de fidelidade ao conto, acompanhado de um constante aprimoramento, por parte do Sr. Moreira Campos, mestre inconteste no gênero, reconhecido nacionalmente; o Sr. Fran Martins, novelista de primeira, ao que parece contentou-se com o seu "Dois de Ouro”, um trabalho notável, nada nos dando, porém, posteriormente, que se lhe igualasse em peso; o Sr. Jáder de Carvalho, há muito preferiu ser poeta lírico, com qualidades; e há o Sr. Eduardo Campos, que, tendo-se realizado mais plenamente na área dramática, com algu¬mas peças de merecido sucesso nacional, abandonou, ao que tudo indica, a novelística; Juarez Barroso, não fora a morte prematura, bem que nos poderia ter dado uma ficção que se ligasse à força de uma “D. Guidinha do Poço”, por exemplo. Vivência não lhe faltava, nem talento. Mas não o fez.
Na nova geração, o interesse pela narrativa literária ganha poucos adeptos. Tomando como base o Grupo Siriará, formado em 79, dos seus 24 membros, apenas 4 a 5 se empenharam na criação de personagens e enredos. O resto, tome poesia! Era, na verdade, muito mais um grupo de poetas, todos ansiosos em revelarem suas produções nascentes e serem os primeiros bardos anunciadores de um novo tempo, que se avizinhava, ao cair do obscurantismo político-cultural, que sentíamos ainda grudado nos dedos.
Se poucos foram os que se ligaram à prosa ficcional, em compensação o fizeram com uma garra e uma categoria superlativa. Como é o caso de Airton Monte, Nilto Maciel, Paulo Veras e Carlos Emílio. Trataremos, aqui, apenas, dos dois primeiros, por uma questão de espaço e afinidades. (Que esta é uma crítica impressionista).


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Nilto Maciel é outro contista vigoroso e surpreendente da nova geração. Com apenas um livro lançado, Tempos de Mula Preta (Ed. Secretaria de Cultura, Fortaleza, 1981), inscreve-se ele no que de melhor temos no momento em matéria de contos no Brasil. Percebe-se no autor um tal domínio do ficcional, uma capacidade inventiva e transfigurante da linguagem, aliada a uma não menos capacidade de alteridade, versátil e verossímil, com relação aos personagens, que o colocam entre os mais avançados e promissores contistas da atualidade. Além disso, conta ele com mais duas outras grandes qualidades, que indicam o domínio de seu ofício: uma maneira própria de dizer, de narrar, um estilo, diríamos, já “niltoniano”; e um finíssimo humour revestindo a maioria de suas criações. E o humour, lembrava Fernando Pessoa, é a marca do não provinciano; uma categoria elevada do espírito.